Meu nome é Ronaldo Lima, atualmente coordenador da RCC do Pará. Moro em Conceição do Araguaia. Sou casado e tenho quatro filhos: Lucas, Gustavo, Leonardo e Victor. No mês de janeiro de 2009, eu e minha família fomos passear na cidade de São Luis, Maranhão. Voltando para casa, por volta da uma e meia da tarde, cochilei no volante e perdi a direção do carro. Quando me dei conta, estava fora da estrada pela direita, em um desses lugares em que o nível da rodovia é alto, por causa do aterro. Tentei trazer o carro para a pista, mas não consegui, então o veículo a atravessou, bateu numa cerca e capotou.
Perdi os sentidos por alguns segundos. Quando vi, estava de cabeça para baixo. Tirei o cinto e quando saí do carro vi minha família toda esparramada pelo chão, morrendo. Os que estavam atrás estavam sem o cinto. Minha sogra foi arremessada para fora do carro, bateu a cabeça e morreu instantaneamente. Quando a vi fiquei desesperado, corria de um lado para o outro, vi também que o meu pequeno Leonardo tinha um grande corte na cabeça e outro no braço, sangrava e gemia muito. O Victor teve um pequeno corte na cabeça e o Gustavo quebrou a clavícula, além de um corte no pé e outro no braço. Gilsélia, minha esposa, estava caída na parte traseira do carro, não conseguia se levantar sozinha. Peguei-a com tanta força e a tirei dali. Ela quebrou a bacia, fraturou as costelas e perfurou a pleura, uma membrana que envolve os pulmões. Em pouco tempo seu pescoço engrossou, seu corpo começou a inchar e ela foi perdendo os sentidos. Lucas, meu filho mais velho, ficou preso nas ferragens e a gasolina do carro derramava sobre ele, que gritava: “papai, me tira daqui, eu não consigo sair”. Então, eu tentava tirá-lo inutilmente puxando as ferragens, mas minhas forças não eram suficientes, mesmo com medo do carro pegar fogo.
Irmãos, eu gritava: “meu Deus! Onde o Senhor estava que permitiu que isso acontecesse?”. E eu questionava: “Senhor, tantas viagens na missão, às vezes cansado depois de encontros de finais de semana no Pará, lugares tão distantes e na volta pra casa, cansado, nunca me aconteceu nada. Por que com a minha família?”. Fiquei decepcionado com Deus. Foi quando chegou o meu cunhado, que vinha logo atrás, e teve a ideia de usar um macaco e afastar as ferragens. Deu certo, tiramos o meu filho do carro, que tinha quebrado a clavícula e ficou com algumas luxações na perna.
Começou, então, uma longa jornada de sofrimento. Fomos socorridos na pequena cidade de Tutum. O acidente tinha sido tão grave que repercutiu nas cidades vizinhas. Quando chegamos ao hospital, fomos logo examinados e o médico disse que minha esposa e o meu filho Leonardo precisavam ser transferidos imediatamente para a cidade de Caxias, pois ali não havia recurso para eles. Enquanto isso os meus outros filhos estavam sendo examinados e, pela avaliação médica, estava tudo sobre controle. Estávamos preparando a ambulância para sair com minha esposa e o Leonardo para Caxias quando, de repente, chegaram ao hospital outros médicos e um deles estava sendo muito atencioso com minha família. Pedi a ele que fosse ver o meu filho Leonardo, pois eu estava muito preocupado com ele. O médico foi até a sala em que estava o meu filho e voltou correndo, dizendo para o outro médico: “Corre, este garoto precisa ser operado agora, ele está morrendo”. Corri, também, até a sala e vi que meu filho dava seus últimos suspiros, os médicos tentavam reanimá-lo. Uma moça de nome Edinete me puxou, juntamente com outras pessoas e diziam: “socorre sua esposa, se não ela vai morrer, o seu filho a gente cuida”. Saí às pressas, desesperado com aquela imagem na cabeça. Fomos então para Caxias em uma ambulância. Nessa altura, minha esposa tinha inchado três vezes mais e não conseguia respirar sem o aparelho de oxigênio. No caminho, fomos transferidos para uma ambulância do SAMU, que estava vindo de Caxias para nos buscar. O médico, ali mesmo, no meio do caminho, fez uma avaliação e disse que o caso dela era grave. Foi quando ele fez a opção de entrar numa estrada de chão para encurtar o caminho, mas minha esposa não estava aguentando de tanta dor. Ele, então, para evitar os baques, carregava a maca nos braços. Chegamos a Caxias no final da tarde. O hospital já estava mobilizado e uma das enfermeiras, filha de uma serva, nos deu total apoio.
Recebi notícias do Leonardo: a cirurgia tinha sido longa, os médicos retiram o baço, pois tinha rompido com a pancada. Fiquei sabendo, por telefone, que se ele tivesse saído da cidade de Tuntum não passaria do primeiro bairro e que, apesar de estar inconsciente, os médicos estavam esperançosos. A máquina de raio-X do hospital de Caxias não funcionava direito e, depois de várias tentativas e indecisões dos médicos sobre o que fazer, chegaram as irmãs do prefeito de minha cidade, que moram em Caxias, dando total apoio e orientando a sair para Teresina, que fica distante 70km. Não pensei duas vezes. Chegamos a Teresina por volta das 22h e fomos acolhidos pela querida Marineide, coordenadora estadual da RCC do Piauí, que nos conduziu para o hospital São Marcos. Minha esposa imediatamente foi atendida. Passei a noite inteira sentado à beira de seu leito, com muitos questionamentos…
Os médicos queriam me internar, pois eu tinha batido a cabeça, estava com um corte na testa e muito inchado, além de tonturas. Mas, como poderia ficar internado, se meus filhos ficaram todos para trás? Ao amanhecer liguei para o hospital em Tutum, buscando informações sobre meus filhos. Eles estavam sendo cuidados pelos meus cunhados com a ajuda do padre e das irmãs. O Leonardo tinha acordado e meus outros filhos estavam sendo enviados para casa, numa van fretada pelo prefeito da minha cidade. O corpo de minha sogra também estava sendo liberado. Depois, falei com a médica plantonista sobre o caso do Leonardo e ela disse para que eu fizesse a transferência dele imediatamente, pois quem opera do baço precisa estar numa UTI e que se ele passasse mal naquele lugar não haveria recurso. Desesperei-me e somente às 15h é que consegui liberação para transferi-lo. Quando meu cunhado me ligou dizendo que já estavam vindo para Teresina eu chorava muito. Fui então internado. Meu filho chegou a Teresina por volta das 23h, sem papai e sem mamãe. Aquele homenzinho não conhecia ninguém naquela cidade e foi recebido pela Marineide e pelos irmãos da RCC.
O hospital em que o Leonardo foi internado ficava longe de onde estávamos. Fiquei sabendo depois que para ele ser internado o hospital exigiu caução de vinte mil reais, o que foi feito pela Marineide. No outro dia cedo, me dei alta e saí às pressas para vê-lo. Quando cheguei lá na UTI ele abriu só um olhinho e sorriu para mim, dizendo: “papai!” Não me contive e disparei a chorar. Chorava de alegria, de tristeza e de preocupação com medo de que ele ficasse cego, pois não abria um dos olhos.
Liguei para casa e fiquei sabendo que havia sido feita uma mobilização e que toda RCC do Estado do Pará estava em corrente de oração. Soube ainda que minha casa estava sendo preparada pelos irmãos da RCC para receber meus filhos que estavam de volta e também o corpo de minha sogra. Havia uma multidão que tomava conta da rua de acesso à minha casa. Fui à capela daquele hospital, ainda muito magoado com Deus e, num momento de paz interior, Deus me falou: “filho, Eu estava com você naquele acidente, Eu coloquei a mão sobre você e sua família e os protegi. Quando você chegou à cidade de Tutum, Eu já estava lá. Na estrada para Caxias carreguei sua esposa nos braços e quando vocês chegaram a Caxias, Eu já estava lá. Quando chegaram a Teresina, Eu já estava lá. Eu estou em cada uma dessas pessoas que os acolheram e onde quer que você esteja Eu estarei com você”.
Naquele momento eu podia ver cada pessoa que nos acolhia. Os irmãos da RCC de Teresina, que não nos deixaram um só momento, fazendo rodízio dia e noite no hospital. Após a alta de minha esposa, que não tinha como se locomover, fomos acolhidos pela família abençoada de dona Célia e seu Gomes, os pais de Micaelle, amiga da Fernanda. E em minha casa em Conceição do Araguaia, da mesma forma, cuidaram dos meus filhos durante os 15 dias em que ficamos fora.
Meu Deus! Descobri com essa tragédia o valor da solidariedade e de uma simples visita aos doentes em um hospital. Revelou-se uma RCC solidária que se preocupa com os irmãos. Tenho o maior orgulho de fazer parte desse Movimento. Obrigado! Deus abençoe a todos vocês.