Por Dom Geraldo Majella Agnelo
O primeiro domingo da Quaresma nos reserva o evangelho das tentações de Jesus (Lucas 4,1-13). Visto que nos é proposto um caminho de conversão para esse tempo que prepara a celebração da paixão, morte e ressurreição de Jesus, a conversão significa nova vida. A quarta feira de cinzas nos proclamou: “convertei-vos e crede no evangelho”.
Jesus tentado no deserto nos proporciona ensinamentos úteis, porque também nós estamos expostos ao risco da tentação. Ela faz parte de nossa vida: encontra obstáculo continuamente nas ocasiões de fazer o mal. Com a força de Deus poderemos superar o mal.
O que faz o mal não é a tentação em si, mas o ceder à tentação. Na tentação de Jesus, o que conta realmente não é a materialidade dos lugares e de coisas, onde e como foi tentado, mas como reagiu a consciência de Jesus. Certamente a Igreja das origens recorreu a este relato para exprimir com linguagem humana, plena de símbolos, a atitude que Jesus assumiu diante da existência, ao mundo criado, e ao Criador. A atitude de Jesus nas várias situações da vida era certamente justa. E cada cristão de fronte às tentações deveria aprender a comportar-se como fez Jesus.
No relato do evangelho, o tentador, Satanás, apresenta a Jesus três ofertas. Na primeira, Satanás propõe o domínio sobre os bens materiais: converter a pedra em pão. Na segunda, o domínio sobre os homens: O poder sobre reinos, se Jesus se prostrasse diante do demônio. Na terceira oferta, é oferecido ao Senhor o domínio sobre as forças misteriosas do criado, os puros espíritos: atirar-se do mais alto do templo, sustentado pelos anjos. Em substância são oferecidas por Satanás três ordens de bens: as coisas materiais compreendidos os reinos dos homens, e o domínio sobre os anjos e os seres espirituais. Que coisa se poderia oferecer a mais a um homem, e que coisa ele poderia desejar a mais?
As tentações podem ser reunidas e formar uma só: organizar a própria existência no sentido egoísta, materialista, horizontes baixos, sem qualquer referência ao mundo do espírito; o eu como centro do universo.
Jesus não se deixa enganar pelas ofertas. Replica com três respostas que formam uma só, global, definitiva. Cada vez, diz: “Está escrito!”: “Não só de pão vive o homem”. O homem tem necessidade não somente de coisas materiais, mas muito mais de valores espirituais, de referências ao depois, às últimas coisas, ao eterno, a Deus.
Quanto ao domínio sobre os homens, Jesus responde que esse está reservado exclusivamente a Deus criador. Nenhum homem deve adorar outro homem, nem fazer-se adorar por outro homem. No vértice da escala dos valores, o homem colocará unicamente Deus.
Quanto ao domínio sobre os anjos, Jesus responde: “Está escrito: Não tentarás o Senhor teu Deus”. Isto significa: confiar-se a Deus, confiar a ele na normalidade da vida, e não pretender dele intervenções prodigiosas e extraordinárias.
Em todos os três casos, Jesus faz referência à organização da existência que não se fecha no âmbito estreito das coisas materiais, do humano, mas se abre ao que se eleva sobre a matéria, no mundo do espírito.
Também nós aprendemos que no universo existe alguém mais importante que a matéria, existe o invisível, existe Deus que criou por amor, e dá sentido verdadeiro e pleno à existência. O Pai de Jesus, a quem rezamos “Pai nosso”.
Todos somos tentados como Cristo: tentados de voltar as costas a Deus Criador; de pararmos diante das coisas para possuí-las; de querer dominar sobre os outros, de colocar-nos no centro do mundo: pessoas e povos, caídos na tentação. Situações de violência e prepotência onde um exaltado demonstra uma irreprimível vontade de poder.
Nossa geração está vendo tantas maravilhosas conquistas em todos os campos do saber e do domínio da matéria; parece sujeita às tentações do poder muito mais que as gerações precedentes. Ao nível de cada um, estamos imersos na sociedade opulenta do consumismo. Um dos maiores problemas de cada dia é que nos encontramos diante de tantas tentações, que não temos nem tempo de ceder a todas.
Fonte: CNBB