O Espírito Santo, como pessoa divina que é, sempre esteve presente em toda a história da salvação. Numa coisa, porém, difere a ação carismática e profética do Espírito na Igreja, se comparada a Seu operar no Antigo Testamento. Ali, sua manifestação era reservada a alguns poucos indivíduos – geralmente reis, profetas, juízes e sacerdotes. E, mesmo para esses poucos privilegiados, só em algumas ocasiões da vida e em vista de tarefas específicas pretendidas pelo próprio Deus.
A promessa, porém, era de que, para os tempos messiânicos, Ele seria “derramado sobre todas as pessoas” (Ez 36, 25-27; Jl 3,1-5) e para ficar “eternamente” (Jo 14-16) com elas. Antes porém do Pentecostes histórico, “o Espírito não podia ser dado, porque Jesus não tinha sido glorificado”(Jo 7,39). A condição para a vinda do Consolador era a morte de Jesus (Jo 16,7; Lc 24,26) e Sua ressurreição.
Segundo a teologia de antiga tradição patrística, uma das barreiras que impediam o Espírito de vir habitar-nos de modo pleno e constante era a nossa natureza marcada de modo sensível pelo pecado… E que dizer de alguém que, desde sua concepção, fora privilegiadamente isenta não somente do pecado original, mas igualmente de todo e qualquer pecado de ordem moral? Se Maria, por atenção a Cristo, seu futuro Filho, fora previamente redimida por Deus, por que não pensar nela também como a primeira a ser agraciada com a plenitude permanente do Espírito da promessa?
Aos marcados pela separação gerada pelo orgulho e pela desobediência, só restava mesmo esperar pela glorificação de Jesus, que nos traria a remissão dos pecados. Afinal, o Espírito Santo é espírito e nós somos carne; acrescente-se a esta dificuldade o fato de que Ele é Santo e nós, até então, eramos, irremediavelmente, ‘escravos do pecado’.
Mas nada precisava impedir que Aquela que fora brindada com uma imaculada concepção, recebesse o Espírito, não de modo imanente e difuso, como o resto da Humanidade, mas de maneira pessoal, plena e permanente. Afinal, Jesus seria criado em seu ventre por ação pessoal do Espírito e por Seu poder: “Concebido por obra do Espírito Santo” (Mt 1,18-20; Lc 1,35).
Em Lucas 1,28, o Anjo (antes mesmo de seu “sim”) já encontrara Maria “gratia plena”, repleta de graça. Com certeza ao operar nela o milagre de sua imaculada conceição, o Espírito também já instalara no coração de Maria o Seu próprio ninho, como que para ir-se ambientando com o coração humano – Sua futura morada -, “humanizando-se” em sua carne de futura mãe do Redentor…
Como anunciaram as Escrituras do Antigo Testamento, os tempos messiânicos – tempos em que salvação de Javé deveria se manifestar em plenitude – seriam marcados por três grandes e principais acontecimentos: a Encarnação do Verbo que, assumindo nossa natureza humana, iria transpor o abismo que nos distanciava do Pai; a Paixão e a Morte de Jesus, pelo que a ofensa feita a Deus pelos homens seria redimida e a morte eterna esmagada pela vitória da ressurreição do Senhor; e o envio – e a vinda – do Espírito Santo, que nos seria dado como “penhor de nossa herança” eterna (Ef 1,14), a fim de que pudéssemos compreender e aceitar, pela fé, o testemunho do Filho de Deus, chegando assim à salvação…
Essas grandes promessas para os tempos messiânicos (a vinda do Salvador, sua morte e ressurreição, e o derramamento do Espírito) se misturam, se dependem, se completam, confirmando o início da era da graça, do irrompimento da salvação, do Reino de Deus entre os homens… E somente a uma única pessoa foi dada a graça de viver esses acontecimentos, não só como expectadora, mas como participante de todo o processo: Maria! Ei-la, única e necessariamente, na Encarnação do Verbo, oferecendo-se como campo material à habitação do Espírito, onde Ele, em virtude de Sua própria presença dinâmica, faz surgir o Messias… Ei-la também aos pés da cruz, deixando-se transpassar pela espada profética do sofrimento (Lc 2,35a) e aceitando, agora, ser a Mãe de Cristo em Seu novo Corpo Místico, a Igreja… E ei-la novamente – mãe assumida – com a Igreja nascente, em Pentecostes, a sperar pela repleção que, magnífica e exclusivamente, Ela já receberá antes de todos… Por isso, com razão a chamamos “Mãe de Cristo” e “Mãe da Igreja”, parceira única da Trindade…
Nestes tempos em que, em meio às festividades marianas, a liturgia católica também nos predispõe para a festa da vinda do Espírito em Pentecostes, acredito ser útil voltarmos nosso olhar para a “cheia de graça” e, assim, aprendermos d’Ela como se prepara o coração e a alma para acolher, de uma forma sempre nova, dinâmica e progressiva, o dom maravilhoso da repleção do Espírito. Pois “quem quiser ter o Espírito Santo, que se una a Maria”, exortava há muito tempo São Francisco de Sales. Sábia exortação, pois nenhuma criatura foi, como Maria, tão prodigiosamente agraciada com a presença do Espírito em sua vida.
Diz o Vaticano II que, “em Pentecostes, Maria estava a pedir o dom que já recebera na Anunciação” (LG 59). Também nós, que já recebemos o dom do Espírito por ocasião do nosso batismo sacramental, podemos agora, unidos à intercessão de Maria, esperar, em Pentecostes, por uma renovada efusão da Água Viva, prometida aos “que tiverem sede” (Jo 7,37). Pois antes de se oferecer ao Cristo glorificado como dom do Pai (At 2,33), a ser dado aos que crêem, o Espírito deu-se a Maria – a primeira carismática! – para que, pela deimaternidade, Ela pudesse nos oferecer o próprio Cristo. Que nos dá o Espírito…
Como não amar Maria? Como não ter admiração por esta “filha predileta do Pai, esposa castíssima do Espírito e mãe amorosa do Filho”? Como não buscar sua maternal companhia na espera (e na busca!) do dom do Espírito? Olhemos para a Mãe: Ela é, antes de tudo, sinal do Espírito; ou, no dizer do Vaticano II, Ela é o “sacrário do Espírito Santo” (LG 53). Por isso, podemos – confiados em sua maternal intercessão – juntarmo-nos a João Paulo II em oração, dizendo: “Tu que estivesse no Cenáculo com os Apóstolos em oração, à espera da vinda do Espírito de Pentecostes, invoca a Sua renovada efusão sobre todos os fiéis leigos, homens e mulheres, para que correspondam plenamente à sua vocação e missão, como ramos da “verdadeira videira”, chamados a dar “muito fruto” para a “vida do mundo”. (Christifideles Laici, oração de conclusão).
Com Maria, a presença do Espírito está garantida, a efusão é sempre renovada e a benção é certa. Aleluia!
Por Reinaldo Beserra dos Reis