A ideia de “cura entre gerações” não é, em si própria, incompatível com o ensinamento da Igreja Católica. Na realidade, a doutrina do pecado original pressupõe que os efeitos do pecado são passados de geração para geração (ver o Catecismo, 402-4-6). Tanto a psicologia como a experiência pastoral confirmam o fato evidente de que muitas vezes as faltas, fraquezas e pecados de uma geração – tais como alcoolismo, abuso físico ou sexual, distanciamento emocional, irresponsabilidade, etc – podem deixar sua marca na família, durando, algumas vezes, por várias gerações. Um pai pode praticar abuso ou ser emocionalmente ausente, em parte, por exemplo, por causa de seus pais, os quais, por sua vez, enfrentaram problemas que tiveram impacto sobre eles. Faz sentido, portanto, que uma pessoa passando por um processo de cura possa ser grandemente ajudada pelo reconhecimento desses padrões ligados às gerações e por orações, pedindo ao Senhor, especificamente, que rompa o ciclo não saudável e cura as feridas causadas pelo mesmo.
Entretanto, é também possível ver como esta forma de ministério de oração por cura pode degenerar em práticas anormais manchadas por superstições ou por erros teológicos. Por exemplo, um ministério de oração pode afirmar ter um discernimento detalhado sobre supostas maldições ou outras influências do ocultismo acontecidas há muitas gerações atrás, as quais devem ser removidas por tipos específicos de oração. Rezar pela cura, com base em tais especulações, seria entrar no reino do Gnosticismo, no qual a salvação depende do conhecimento ao qual a pessoa tem acesso. Este é o motivo pelo qual faz-se necessário um discernimento cuidadoso e prudente, assim como todos os fenômenos na vida espiritual. “Examinai tudo: abraçai o que é bom” (I Ts 5, 21). Seria desastroso se uma condenação massiva da oração de cura pela linha de família impedisse as pessoas de um reconhecimento legítimo do impacto da linha de família tanto nas feridas emocionais como na cura. Tal resposta desajuizada pode também ter o efeito de empurrar algumas pessoas para grupos não Católicos onde este tipo de prática é aceito.
Parece-me que uma boa supervisão pastoral desta prática deve incluir pelo menos três elementos:
1. Afirmação do que é válido na prática da oração de cura pela linha de família. A premissa básica, reconhecida na teologia Católica, é que, devido à unidade da família humana, Deus permite que as consequências do pecado deixem sequelas nas gerações subseqüentes. O Livro de Números 14, 18, e versículos similares (Ex 20, 5; 34, 7; e Dt 5, 9) devem ser interpretados à luz deste fato básico da experiência humana. Isto não significa que os filhos são culpados pelos pecados de seus pais (ver Ez 18; Jo 9, 2-3) e nem de que uma pessoa não possa ser salva se não houver uma cura em sua linha de família. Simplesmente, significa que as pessoas sofrem as consequências dos pecados de seus pais e que, através da oração e da fé na obra redentora de Cristo, elas podem ser libertas de tais consequências de acordo com a vontade de Deus. Elas também podem ser ajudadas a perdoar seus pais ou avós de qualquer coisa que as tenha prejudicado.
2. Uma exposição clara de tudo o que é inválido, errado, ou exagerado em tais práticas. Isto inclui:
– Qualquer sugestão de que as pessoas, de alguma forma, suportam a culpa dos pecados de seus ancestrais ou de que podem ser punidas por causa deles;
– Qualquer negação de livro arbítrio, ou da responsabilidade da pessoa por suas próprias ações;
– Quaisquer afirmações exageradas a respeito de conhecimento profético de gerações anteriores e de sua influência sobre uma pessoa;
– Quaisquer práticas ocultas (ex: conversar com demônios ou com ancestrais);
– Qualquer abuso da Missa ou dos sacramentos que as subordinam a outro propósito (ex: alcançar boa sorte) e não respeita sua finalidade própria que é a de nos aproximar de Jesus Cristo e levar-nos à vida eterna.
3. Diretrizes para praticar este tipo de ministério de oração de forma teologicamente correta e prudente. Como todas as formas de ministério de oração, as pessoas devem rezar com humildade, cuidado, bom discernimento e bom senso. O ministério de oração não deve nunca presumir ter uma palavra de conhecimento ou um discernimento profético infalível; ele/ela deve expressar, com cuidado, qualquer sentido de profecia relacionado à história da família da pessoa recebendo a oração e perguntar-lhe se a pessoa pode confirmar. Seria prudente limitar a oração a somente aquelas influências de gerações passadas que podem ser confirmadas pela memória ou história da família. Seria também melhor fazer a oração da forma mais simples possível, confiando que o Senhor curará conforme Sua vontade e não na habilidade ou técnica do ministério de oração.
Fonte: Fonte: Boletim do ICCRS (International Catholic Charismatic Renewal Services), Volume XXXV, número 4, de julho/setembro de 2009.