Mais que um simples símbolo, um sinal visual que nos identifica. Na cruz encontramos a nossa identidade de cristãos. Ela é o lugar do sacrifício, da entrega de Jesus por nós e também precisa ser o lugar da nossa experiência pessoal com Ele.
Por José Rogério Soares dos Santos
Coordenador Estadual da RCCSP
Grupo de Oração Kénosis
O símbolo adotado pelo Serviço Internacional da Renovação Carismática Católica (ICCRS), conhecido como “A cruz da Renovação” (The cross of the Renewal ), é extraído dos textos bíblicos de Jo 19,34 e 1Jo 5,6. O sangue (Lv 1,5+; Ex 24,8+) testemunha a realidade do sacrifício do cordeiro imolado para a salvação do mundo (Jo 6,51), e a água, símbolo do Espírito, sua fecundidade espiritual. Na Cruz da Renovação, o símbolo da água que sai do lado aberto de Jesus crucificado, tendo na outra extremidade a imagem da pomba, quer explicitar a compreensão cristã neo-testamentaria de que Jesus é o doador do Espírito e, por isso, a invocação na parte superior: Veni Creator Spiritus. “O Espírito é, pois, também pessoalmente a água viva que jorra de Cristo crucificado como de sua fonte e que em nós jorra em Vida Eterna”(Catecismo, n. 694). Nesse mesmo sentido, o pregador da Casa Papal, o frei Raniero Cantalamessa, escreveu:
Quando invocamos o Espírito, não devemos olhar para o céu ou talvez para outro lugar; não é de lá que vem o Espírito, mas da cruz de Cristo! É ela a “rocha espiritual” da qual esta água misteriosa é derramada sobre a Igreja para dessedentar os crentes (cf. 1Cor 10,4). Como a chuva que desce do céu é recolhida no interior de uma montanha, até que encontra uma passagem para fluir, assim o Espírito, que durante a sua vida terrestre desceu e se recolheu todo em Jesus de Nazaré, sobre a cruz encontrou uma “passagem”, uma ferida, para derramar-se sobre a Igreja e ele pode dizer, referindo-se precisamente a este seu Espírito: Quem tem sede venha a mim e beba (Jo 7,37).
A imagem ajuda a colocar em evidência o dado teológico em que “a Páscoa de Cristo se realiza na efusão do Espírito Santo, que é manifestado, dado e comunicado como Pessoa Divina: de sua plenitude, Cristo, Senhor, derrama em profusão o Espírito.” (Catec. 731).
De acordo com a narrativa feita por São Lucas nos Atos dos Apóstolos, a vinda do Espírito acontece no dia de Pentecostes, na sala do cenáculo, em Jerusalém (At 2,1-4). João evangelista também faz referência desse mesmo espaço como sendo o lugar em que Jesus “sopra” sobre os discípulos para que recebam o Espírito Santo (Jo 20,22). Esse mesmo evangelista, com sutileza teológica, parece querer nos presentar o calvário, ou mais precisamente, a cruz como lugar de onde acontece o derramamento do Espírito (cf. Jo 19,34). A cruz, dolorosa realidade, onde ocorre o sacrifício pascal do Cordeiro de Deus, é também e, sobretudo, “instrumento de redenção, de reconciliação e de aliança”. O lenho seco da cruz, uma vez encharcado pelo sangue do Cordeiro e pela água que brota do coração aberto de Jesus, pode agora florescer, como árvore plantada à beira daquele rio que recebe suas águas da fonte que jorra do Templo, a que se referia o profeta Ezequiel no Antigo Testamento (cf. Ez 47,12). Sim, é do Templo-Corpo de Jesus Cristo (cf. Jo 2,21) que jorra a verdadeira água viva!
A LINGUAGEM DA CRUZ
“O sinal-da-cruz assinala a marca de Cristo naquele que vai pertencer-lhe” (Catec. 1235). Não há católico que não queira trazer consigo, de algum modo, uma cruz como sinal de sua catolicidade. O estranho é perceber que quando o sinal se transforma em realidade, muitos cristãos recusam-se a admití-la em suas próprias vidas. Quando o sofrimento bate à nossa porta e somos atingidos por alguma enfermidade ou quando as perseguições se levantam contra nós e nos tornamos alvo de humilhações, como reagimos?
É bem verdade não ser tão fácil entender “a linguagem da cruz” (1Cor 1,18). Há, ainda hoje, quem se escandalize com a cruz (cf. Gl 5,11). Quantas vezes ouvimos irmãos argumentarem em suas orações: “Por que comigo, Senhor? Eu sou teu servo. Tenho sido fiel em tudo o que o Senhor tem me pedido… Por que tenho que passar por esse sofrimento?” Parece que a cruz para alguns continua sendo apenas instrumento de suplício. Talvez ainda não tenhamos compreendido a linguagem redentora da cruz.
A cruz não é somente um objeto-sinal de identificação. Em seu sentido espiritual, ela representa o lugar do sacrifício, onde Deus, o Pai das misericórdias, demonstra todo o seu amor pela humanidade. A cruz é lugar de entrega. Deus Pai entrega o Filho; Deus Filho entrega o Espírito; Deus Espírito é dado para a humanidade. A cruz, lugar do sacrifício, torna-se então lugar da auto-entrega amorosa de Deus.
É comum, durante alguns momentos de oração, o dirigente nos convidar para que nos aproximemos da cruz do Senhor. De bom grado o fazemos. Mas, no dia a dia, quando a cruz se aproxima de nós com toda a sua verdade, queremos logo nos ver livres dela. O demônio foge da cruz, o cristão deve correr para ela. Muito sabiamente escreveu o autor do livro Imitação de Cristo: “Por que temes, pois, tomar a cruz pela qual se vai ao céu? Na cruz estão a salvação e a vida; na cruz a proteção contra nossos inimigos. E ainda: da cruz manam as suavidades celestiais; na cruz estão a fortaleza da alma, a alegria do coração, o compêndio da virtude, a perfeição da santida.” (Cap. XI-XII).
AMIGOS DA CRUZ DE CRISTO
O apóstolo Paulo repreendeu àqueles que se comportavam como se fossem “inimigos da cruz de Cristo” (Flp 3,18). Eram pessoas preocupadas somente em viver bem, na fartura dos alimentos, sob a aparência de perfeição, e que pensavam somente no que está sobre a terra (Flp 3,19). De fato, para quem tem depositado suas esperanças em Cristo somente para esta vida (1Cor 15,19), a cruz representa um inimigo a ser desprezado. Afinal, ela priva-nos de todo imediatismo e de qualquer desejo pelo gozo na riqueza temporal. Em sua horizontalidade, a cruz abraça os pobres, sofredores, injustiçados. Em sua verticalidade, fincada na realidade da terra, ou seja, da verdade da vida, ela aponta para o céu, lugar do Reino definitivo.
Perguntamos: onde se encontram os amigos de Jesus? Na multidão, enquanto os milagres acontecem, ou no calvário, junto de sua cruz? “Muitos seguem a Jesus até ao partir do pão, poucos, porém, até ao beber do Cálice de sua paixão. Muitos admiram seus milagres, mas poucos abraçam a ignomínia da cruz” (Im. Cristo, cap. XI). Enquanto estamos no meio da multidão, esperando por algum milagre ou até já desfrutando dele, aproveitemos para nos aproximar daquele que caminha para cruz: Jesus Cristo. É lá, no alto do calvário, junto à sua cruz que se consolida a verdadeira amizade.
Havia amigos de Jesus que não puderam estar no calvário no dia de sua crucifixão. Alguma coisa os impediram de estar lá. Nós não o sabemos. Pode ter sido o medo ou qualquer outra circunstância justificável. De qualquer forma, era preciso que em algum momento eles passassem pela cruz. Foi assim com os Apóstolos. Cada um, a seu modo, se tornou amigo da cruz. Tem sido assim na história dos santos que nos precederam. Chegou então a nossa vez de nos comportarmos como amigos da cruz de Cristo! A água do Espírito que recebemos por meio do batismo deve trazer-nos coragem para sustentar na própria vida o sinal-da-cruz. E sempre que formos introduzidos em algum novo calvário, façamos daquele lugar, lugar de experiência de Deus. Aproveitemos para beber nesse momento, não do fel que nos privaria de sofrer com Jesus, mas da água que continua a brotar do lado aberto de Nosso Senhor, da água da vida: o Espírito Santo.
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“De fato, para quem tem depositado suas esperanças em Cristo somente para esta vida (1Cor 15,19), a cruz representa um inimigo a ser desprezado”
“Muitos seguem a Jesus até ao partir do pão, poucos, porém, até ao beber do Cálice de sua paixão. Muitos admiram seus milagres, mas poucos abraçam a ignomínia da cruz”