Aprendemos muito cedo a não usar o nome de Deus em vão, cumprindo o segundo mandamento, que se liga aos outros da primeira tábua, cuja finalidade é criar uma sintonia profunda com o Senhor, que nos criou por amor e nos sustenta no mesmo amor, neste mundo e na eternidade. “Amar a Deus sobre todas as coisas” é o primeiro e fundamental mandamento. Respeitar o nome de Deus e guardar o dia do Senhor são expressões da escolha que fazemos, em resposta ao amor infinito que dele recebemos. Uma das consequências é a gravidade da blasfêmia, com a qual se desrespeita o Senhor e a tudo o que a Ele se refere. Toda autêntica e sincera compreensão religiosa conduz aos três primeiros mandamentos e nos faz voltar à fonte de nossa felicidade, que se encontra em Deus.
O nome de Deus já foi usado para destruir pessoas e povos. Muito se pretendeu ao usá-lo em proveito do poder do enriquecimento ilícito de muitos. A fragilidade humana levou também cristãos a tal comportamento avesso ao Evangelho. No Concílio Vaticano II, foram claras as afirmações a respeito da liberdade religiosa: Deus chama realmente os homens a servi-lo em espírito e verdade; eles ficam, por esse fato, moralmente obrigados, mas não coagidos. Pois Deus tem em conta a dignidade da pessoa humana, que deve guiar-se pelo próprio juízo e agir como liberdade. Isto apareceu no mais alto grau em Jesus Cristo, manso e humilde de coração, atraiu e convidou com paciência seus discípulos. Confirmou com milagres sua pregação, para despertar e confirmar a fé, e não para exercer qualquer coação. Censurou a incredulidade dos ouvintes, reservando para Deus o castigo, no dia do juízo.
Ao enviar os Apóstolos, disse-lhes: “quem acreditar e for batizado, será salvo; quem não acreditar, será condenado” (Mc 16,16). Mas, sabendo que a cizânia tinha sido semeada junto com o trigo, mandou deixar que crescessem até à ceifa, no fim dos tempos. Não querendo ser um Messias político e dominador pela força, chamou-se “Filho do homem”, que veio para servir e dar a sua vida para redenção de muitos (Cf. Mc 10, 45). Ele é o Servo esperado pelos profetas, que “não quebra a cana rachada, nem apaga a mecha fumegante” (Mt 12, 20). Reconheceu a autoridade civil e seus direitos, mandando dar o tributo a César, lembrando claramente os direitos de Deus: “A César o que é de César, a Deus o que é de Deus” (Cf. Mt 22, 21). E realizando na cruz a obra da redenção, dá a salvação e a verdadeira liberdade, completou a sua revelação. Ele deu testemunho da verdade, mas não a quis impor pela força. O seu reino, que não vem pela violência mas se implanta pelo testemunho e pela verdade, cresce pelo amor com que Cristo, elevado na cruz, a si atrai todos os homens” (Cf. Declaração “Dignitatis humanae”, 11). E São João Paulo II fez ressoar estas afirmações quando pediu publicamente perdão por todas as culpas com que se mancharam os cristãos, na memorável Jornada do Perdão, no Ano Santo de 2000.
Graças ao amor de Deus que conduz a história, cresce em nossos dias a sensibilidade para os direitos das pessoas e sua liberdade. Com o ensinamento social da Igreja, especialmente a partir do Papa Leão XXIII, com a Encíclica “Rerum Novarum”, passando por todos os pontífices dos séculos XX e XXI, até chegarmos ao Papa Francisco, a Igreja tem primado pela luta em favor da liberdade religiosa e dos direitos humanos, oferecendo sua contribuição para um mundo mais justo, de acordo com o plano de Deus.
Mas também somos edificados pelas muitas pessoas que professam a fé no Deus único e que se reportam a Abraão, o pai da fé. Chama nossa atenção a iniciativa do Papa Francisco, com o apoio do Patriarca Bartolomeu, de convidar líderes de Israel e da Palestina, feitos hóspedes há poucos dias na Casa do Papa, em Roma, para a oração pela paz. É sinal de que a raiz comum pode conduzir as pessoas e o mundo a darem passos antes impensáveis em vista do bem. E como com Deus não se brinca, temos a certeza de que o clamor pela paz chega ao Céu. Ele leva a sério nossas opções e nossa oração.
Entretanto, vale aproveitar a oportunidade para perguntar-nos sobre a novidade da mensagem cristã, em tempos de diálogo e busca de cooperação com grupos religiosos diferentes e com pessoas sem convicção religiosa, mas sensíveis aos valores humanos. O que podemos oferecer de nosso, para buscar a Deus e ousar falar em seu nome, pedindo que Ele mesmo purifique nossas mentes, corações, palavras e ações? O que Papa Francisco e os cristãos do mundo inteiro podem oferecer aos outros homens e mulheres da mesma raiz abraâmica, ou a toda a humanidade?
Depois de clamarmos pela ação do Espírito Santo, no Pentecostes, a Igreja nos oferece os elementos necessários à resposta respeitosa a esta pergunta, com a Solenidade da Santíssima Trindade. A ação de Deus no mundo e na história humana é entrada de todas as criaturas na unidade perfeita da Trindade. Através do amor de Deus que nos amou por primeiro (Cf. 1 Jo 4, 19) e ação do Espírito Santo (Cf. Rm 5, 5), que faz de todos nós filhos de Deus voltados para Deus Pai (Cf. Rm 8, 15), a vida verdadeira se realiza desde já no amor fraterno, pois “sabemos que passamos da morte à vida porque amamos os irmãos” (1 Jo 3, 14). Aqui se revela a vocação dos seguidores de Cristo, que é participar da vida da Santíssima Trindade, viver de Deus e em Deus, no vínculo que Jesus estabeleceu com cada pessoa humana, pela sua encarnação. Olhar para a Trindade é ter certeza de Deus ama a todos e envolver a todas as pessoas no único abraço de amor. Ninguém seja excluído ou se sinta excluído!
João Paulo II chegou a afirmar que “nosso Deus, no seu mistério mais íntimo, não é solidão, mas uma família, dado que tem em si mesmo paternidade, filiação e a essência da família, que é o amor. Este amor, na família divina, é o Espírito Santo” (Homilia na Missa no Seminário de Puebla – México, 28 de janeiro de 1979). Passando pela porta que é Jesus Cristo (Cf. Jo 10, 7), é possível entender e viver o jeito próprio da Trindade. Somos chamados a não só adorar e louvar a Trindade Santa, mas a experimentar no dia a dia a mesma vida. Quem professa a fé cristã dá sempre o primeiro passo para amar o próximo, valoriza as legítimas diferenças, constrói pontes no relacionamento com os outros, oferece a própria casa, pede e oferece o perdão, prefere o que une em vez salientar o que separa, empenha-se em ser sempre fonte de amor fraterno. Em poucas palavras, vive em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo!