“Respondeu Jesus: ‘Se queres ser perfeito, vai, vende teus bens, dá-os aos pobres e terás um tesouro no céu. Depois, vem e segue-me! ’” (Mt 19,21). O conseguir o tesouro no céu, é ser plenamente de Deus desde agora e amar o próximo na caridade como dom do mesmo Deus. Todo cristão é chamado a atingir essa perfeição, mas desde o início do Cristianismo, homens e mulheres, ouvindo o convite do Salvador deixaram família, bens e segurança (Cf. Mt 19,29), para poder seguir o Senhor Jesus mais de perto e exercer a caridade cristã numa maior liberdade.
Diversidade e espiritualidade nas vocações religiosas
No princípio os monges e comunidades de virgens buscaram a vivência fraterna em comunidade dos conselhos evangélicos de castidade, pobreza e obediência sob uma regra. O exemplo maior foi São Bento (480-547). Na Idade Média ordens mendicantes buscaram viver o seguimento de Cristo, na radicalidade da vivência da identidade batismal na pobreza servindo às pessoas, seja na caridade fraterna ou na pregação evangélica. No século XIX proliferaram congregações com as mais diversas finalidades, carismas ou índoles diferentes, desde congregações que cuidavam a educação católica das crianças e jovens, ou o ímpeto missionário de levar a palavra a categorias diversas de pessoas, o cuidar do crescimento vocacional ou a assistência a desamparados. Assim afirma o Concílio Vaticano II: “Como em árvore plantada por Deus e maravilhosa e variamente ramificada no campo do Senhor, surgiram diversas formas de vida, quer solitária quer comum, e várias famílias religiosas, que vêm aumentar as riquezas espirituais, tanto em proveito dos seus próprios membros como no de todo o Corpo de Cristo” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 43).
Sejam institutos que se dedicam mais à vida contemplativa, outros à vida ativa, sejam masculinos ou femininos, sempre têm como meta colocar o primado do Absoluto, a busca de Deus (Cf. Is 55,6). Porém, cada instituto tem sua identidade própria, sua própria índole (Cf. Cân. 578). A partir dessa índole há uma espiritualidade que dela provém, bem como costumes e tradições próprios.
Seria possível viver a espiritualidade carismática num instituto religioso?
Lembremos que o essencial da espiritualidade carismática é a experiência da graça do Batismo no Espírito Santo e que a vivência da graça que Deus nos dá “compreende igualmente os dons que o Espírito nos concede, para nos a associar à sua obra, para nos tornar capazes de colaborar com a salvação dos outros e com o crescimento do corpo de Cristo, a Igreja” (CIgC n. 2003).
Se o Batismo no Espírito Santo é um transbordar da graça de Deus, especialmente a recebida nos sacramentos, esse transbordar somente ajudaria na vivência da vida religiosa em um Instituto Religioso que procura levar à plenitude a vocação batismal e crismal, numa dimensão eucarística. Da mesma forma, se os dons e carismas são dados para colaborar com a salvação dos outros, não haveria obstáculo algum em associar ao exercício dos carismas com qualquer carisma institucional que o mesmo Espírito suscitou para salvação das almas. Porém, sempre dentro da docibilidade da obediência aos legítimos superiores, pois, “o juízo acerca da sua autenticidade e reto uso, pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom” (Constituição Dogmática Lumen Gentium, n. 12).
Inspiração dos santos fundadores na vivência carismáticas
Nada melhor que contemplar os santos fundadores e santas fundadoras, a legião de santos e santas que surgiram da grande árvore da vida religiosa na Igreja, e constatar como viveram em plenitude a graça dos sacramentos da iniciação cristã no caminho de consagração que Deus escolheu para eles e muitos outros consagrados. Contemplar São Bento e Santa Escolástica, São Bernardo, São Francisco de Assis e Santa Clara, reformadores como Santa Teresa de Jesus e São João da Cruz, pessoas que tiveram o carisma de fazer milagres como Santo Antonio de Pádua, Santo Antonio Maria Claret e São João Bosco, e muitos outros. É bom ver que viveram uma grande efusão da graça de Deus e estavam abertos aos presentes, dons e carismas, que o mesmo Senhor Deus lhes deu para melhor viver e pregar o Evangelho.
“A vida consagrada pela profissão dos conselhos evangélicos é uma forma estável de viver, pela qual os fiéis, seguindo mais de perto a Cristo sob a ação do Espírito Santo, consagram-se totalmente a Deus sumamente amado” (Cân 573, § 1). O Espírito Santo que age nos Institutos Religiosos para que seus membros se consagrem a Deus na caridade de Cristo, é o mesmo Espírito que nos dá dons e carismas para a evangelizar. Deus age de maneira diversa e misteriosa, e nós devemos estar abertos ao Espírito que pela graça nos precede na evangelização e na consagração. O Espírito Santo é Dom de Deus e pela graça do Batismo no Espírito Santo nos faz também ser dom para com nossos irmãos e irmãs.
Jesus disse: “Eu sou a videira verdadeira” (Jo 15,1a) e na mesma passagem diz que temos que estar unido a Ele, pois “sem mim nada podeis fazer (Jo 15,5b). A dependência da graça de Deus vem sempre nos lembrar que, seja qual for o trabalho a que somos chamados, sempre necessitamos da graça em nossa vida. E o Batismo no Espírito é a efusão dessa graça nas diversas categorias de fiéis, e nos religiosos e religiosas não seria diferente.
Agradeçamos a Deus pela graça da vida consagrada nos diversos institutos religiosos na Igreja. Peçamos que o Senhor Deus suscite vocações e estas sempre estejam abertas ao Espírito Santo para que realizemos a obra que Deus nos confiou.
Padre Micael de Moraes, sjs
Pároco da paróquia nossa senhora de Pentecostes
e São Francisco de Assis