No segundo domingo do Advento a Igreja medita o evangelho de Mateus 3, 1-12. Esse texto nos convida à conversão, porque o Reino de Deus está próximo. João Batista faz o anúncio não apenas com palavras, mas com o testemunho da própria vida. Confira a reflexão!

 

Nesta primeira apresentação do Batista, há vários fatores que nos interessa pôr em relevo: a figura, a mensagem, as reações ao anúncio e a comparação entre o batismo de João e o batismo de Jesus.

A figura do Batista é uma figura que, por si só, nos questiona e interpela. João aparece ligado ao deserto (o lugar das privações, do despojamento, mas também o lugar tradicional do encontro entre Jahwéh e Israel) e não ao Templo ou aos sítios “in” onde se reúne a sociedade seleta de Jerusalém; usa “uma veste tecida com pelos de camelo e uma cintura de cabedal à volta dos rins” (é dessa forma que se vestia, também, Elias – cf. 2 Re 1,8), não as roupas finas, com pregas cuidadosamente estudadas, dos sacerdotes da capital; a sua alimentação frugal (de “gafanhotos e mel silvestre”) está em profundo contraste com as iguarias finas que enchem as mesas da classe dirigente… João é, portanto, um homem que – não só com palavras, mas também com a sua própria pessoa – questiona um certo jeito de viver, voltado para as coisas, para os bens materiais, para o “ter”. Convida a uma conversão, a uma mudança de valores, a esquecer o supérfluo, para dar atenção ao essencial.

O que é que João prega? Mateus resume o anúncio de João numa frase: “convertei-vos (“metanoeite”), porque está perto o Reino dos céus” (vers. 2). O verbo grego (metanoéo) aqui utilizado tem, normalmente, o sentido de “mudar de mentalidade”; mas aqui deve ser visto na perspetiva do Antigo Testamento, isto é, como um apelo a um retorno incondicional ao Deus da Aliança.

Porque é que esta “conversão” é tão urgente? Porque o “Reino dos céus” está perto. Muito provavelmente, João ligava a vinda iminente do “Reino” ao “juízo de Deus”, que iria destruir os maus e inaugurar, com os bons, um mundo novo (por isso, fala da “cólera que está para vir” – vers. 7; e acrescenta: “o machado já está posto à raiz das árvores. Por isso, toda a árvore que não dá fruto será cortada e lançada ao fogo” – vers. 10). A conversão era urgente, na perspetiva de João, pois aproximava-se a intervenção justiceira de Deus na história humana; quem não estivesse do lado de Deus seria aniquilado… É uma perspetiva muito em voga em certos ambientes apocalípticos da época, nomeadamente na teologia dos essênios de Qûmran.

Quem são os destinatários desta mensagem? Aparentemente, é uma mensagem destinada a todos. Mateus fala da “gente que acorria de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região do Jordão” e que era batizada “por ele no rio Jordão, confessando os seus pecados” (vers. 5-6).

No entanto, Mateus faz uma referência especial aos fariseus e saduceus, para quem João tem palavras duríssimas: “raça de víboras, quem vos ensinou a fugir da ira que está para vir? Praticai ações que se conformem ao arrependimento que manifestais. Não penseis que basta dizer: ‘Abraão é nosso pai’…” (vers. 7-9). Trata-se de pessoas que “à cautela” ou por curiosidade vêm ao encontro de João; no entanto, sentem que o “juízo de Deus” não os atingirá porque eles são filhos de Abraão, são membros privilegiados do Povo eleito e estão do lado dos bons: Deus não terá outro remédio senão salvá-los, quando vier para julgar o mundo e condenar os maus. João avisa que não há salvação assegurada obrigatoriamente a quem tem o nome inscrito nos registos do povo eleito: é preciso viver em contínua conversão e fazer as obras de Deus: “toda a árvore que não dá fruto, será cortada e lançada ao fogo” (vers. 10).

Neste texto aparece também, em relevo, um rito praticado por João. Consistia na imersão na água do rio Jordão das pessoas que aderiam a esse apelo à conversão. Era, aliás, um rito praticado em certos ambientes judaicos para significar a purificação do coração (nos ambiente essênios, os banhos quotidianos expressavam o esforço em direção a uma vida pura e a aspiração à graça purificadora)… O batismo de João significava o arrependimento, o perdão dos pecados e a agregação ao “resto de Israel”, subtraído à ira de Deus.

No entanto, João avisa: “aquele que vem depois de mim (…) batizar-vos-á no Espírito Santo e no fogo” (vers. 11). De facto, o batismo de Jesus vai muito além do batismo de João: confere a quem o recebe a vida de Deus (Espírito) e torna-o “filho de Deus”; além disso, implica uma incorporação na Igreja (a comunidade dos que aderiram à proposta de salvação que Cristo trouxe) e a participação ativa na missão da Igreja (cf. At 2,1-4). Não significa, apenas, o arrependimento e o perdão dos pecados; significa um quadro de vida completamente novo, uma relação de filiação com Deus e de fraternidade com Jesus e com todos os outros batizados.

 

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Fonte: Dehonianos