“Jesus atravessava cidades e povoados, ensinando e prosseguindo o caminho para Jerusalém. Alguém lhe perguntou: ‘Senhor, é verdade que são poucos os que se salvam?’ Ele respondeu: ‘Esforçai-vos por entrar pela porta estreita. Pois eu vos digo que muitos tentarão entrar e não conseguirão’” (Cf. Lc 13, 22-30). A pergunta continua a ressoar na mente e da boca de tantas pessoas. Com certa frequência, os “outros” e não “nós” são os considerados como possíveis candidatos à perdição. Cercar-se de orgulho, julgando-se proprietários da obra de Deus não corresponde ao seu plano de amor.
Deus quer salvar a todos e que todos cheguem ao conhecimento da verdade (cf. 1 Tm 2, 4). No seu plano infinito de amor, não é sua vontade que qualquer pessoa seja precipitada no inferno da perdição. Ele olha com bondade e misericórdia todas as suas criaturas e especialmente o ser humano, feito à sua imagem e semelhança, para servi-lo e amá-lo e viver no mesmo amor com todos os irmãos e irmãs. As parábolas da misericórdia, contadas por Jesus, mostram o quanto moeda perdida, ovelha perdida e filho perdido são sinais de tantas realidades humanas, presentes em todas as gerações, inclusive a nossa. Da parte de Deus, cabe todo mundo na festa da moeda reencontrada, no redil de ovelhas e na casa do Pai Misericordioso.
A resposta de Jesus à provocante pergunta que lhe é feita tem consequências em nossa vida. Se Deus quer salvar a todos, esta salvação não suscita em nós uma atitude irresponsável, como se tivéssemos adquirido um título de propriedade no Céu. O Senhor constada que são muitos os que se perdem! Dura realidade, pois a oferta de salvação feita por Deus, nos méritos de Jesus Cristo, nosso Salvador, vem ao encontro de nossa liberdade. Terrível e provocante verdade: nós podemos nos perder, ou podemos ir contra a vontade mais decidida de Deus, a nossa salvação! Aprender a usar bem nossa liberdade é tarefa que dura a vida inteira, e pede discernimento, clareza, capacidade de decisão.
Para entendermos o caminho a ser percorrido, Jesus usa a imagem da porta estreita e apertado o caminho que leva à vida (cf. Mt 7, 13-14). O Senhor veio ao nosso encontro, percorreu a estrada do amor e da doação total da vida, convocou e convoca discípulos que se disponham a segui-lo. A todos ele chama a deixar tudo, abraçar a Cruz, caminho estreito, passar pela porta que conduz à vida verdadeira, que é seu mistério de Morte e Ressurreição.
A porta estreita e o caminho apertado está à nossa disposição, pois trata-se do caminho do amor, a superação do egoísmo, uma ordem de valores que coloque em primeiro lugar o serviço e o bem do próximo, a renúncia ao comodismo, a realização da própria vocação, e todas as vocações serão sempre formas de amor a Deus e ao próximo. Seria cômodo deixar a vida correr, sem assumir responsabilidades, mas já nesta terra seríamos pessoas frustradas, por não ter encontrado o caminho estreito da doação da vida.
Diante de todos, estejamos atentos à recomendação de São Pedro: “Estai sempre prontos a dar a razão da vossa esperança a todo aquele que a pedir. Fazei-o, porém, com mansidão e respeito e com boa consciência. Então, se em alguma coisa fordes difamados, ficarão com vergonha aqueles que ultrajam o vosso bom procedimento em Cristo. Pois será melhor sofrer praticando o bem, se tal for a vontade de Deus, do que praticando o mal. De fato, também Cristo morreu, uma vez por todas, por causa dos pecados, o justo pelos injustos, a fim de nos conduzir a Deus” (1Pd 3, 15-16).
E como fazer? Como incluir no quadro dos destinados à salvação quem, a nosso modo de ver, se encontra afastado? Comecemos vendo cada pessoa que encontrarmos como candidata à vida plena em Jesus Cristo, ninguém excluído. Aproveitemos para identificar, todas as vezes em que percebermos uma falha de qualquer pessoa, algum aspecto positivo em sua vida e comportamento. Uma boa estrada é fazer-se um com os outros, menos no pecado. Uma boa conversa, um sorriso, um cumprimento educado, a capacidade de escutar, a valorização dos assuntos que aos outros interessa, pode abrir-lhes a porta, ainda que apertada, para a comunhão com Deus. Não é segredo para nós a constatação de que discursos pesados e moralizantes produzem efeito contrário, afastando mais ainda as pessoas distantes. Pode acontecer que o outro não aceite um ensinamento de nossa parte, mas a escuta, o amor, aquele que vem de Deus, com certeza tocará o coração das pessoas, mesmo quando aquelas que rejeitam até a afirmação de que Deus as ama.
Diante de histórias dolorosas e sofridas, a proximidade com certeza suscitará frutos. Ao escutá-las, e muitas vezes chegam a ser escabrosas, vencer o julgamento, ter a certeza de que Jesus morreu e ressuscitou por aquela pessoa, mesmo que seja a mais pecadora existente no mundo. Estreitar os laços de fraternidade pode abrir portas inimagináveis! E conversão é exatamente para quem está no pecado! E o nome de Jesus Cristo Salvador é o que podemos oferecer de melhor, sendo sua presença de amor
Outro passo pode ser o anúncio de que é possível empreender a estrada da fé e da conversão, especialmente com pessoas que se consideram frágeis e pecadoras a ponto de não enxergarem luz no fundo do túnel. É até possível contar a própria história, e quantos de nós passaram por experiências de conversão!
Chegará, com certeza, o momento em que o Espírito Santo tomará a direção, inspirando a palavra certa a ser dita, muitas vezes simples e discreta, mas aquela que vai ao fundo do coração. Já constatei que apenas saber dizer, na hora certa, o quanto somos solidários com o sofrimento real vivido pelas pessoas foi a ocasião de uma abertura, suscitada, sim, pelo Espírito Santo.
Os mais afastados poderão ainda ser acolhidos na Comunidade Cristã, nos vários grupos, pastorais e movimentos de Igreja. Que tal encontrar sempre a forma de receber alguém, vindo das periferias geográficas ou existenciais, em nossos ambientes eclesiais, para que se constate na verdade a afirmação do Senhor de que “últimos serão primeiros e primeiros serão últimos”? (Lc 13, 30).