“Em Cristo, Deus nos escolheu, antes da fundação do mundo, para sermos santos e imaculados diante dele, no amor” (Ef 1, 4). Na criação do mundo, descrita com traços de artista pelo Livro do Gênesis (Cf. Gn 1-3), a humanidade e todo o universo foram pensados como comunhão plena entre Deus e toda a sua obra. Não fomos feitos para a perdição, mas para a felicidade. No final de sua obra, Deus é visto pelo autor sagrado como alguém que se sente contente com o que foi realizado: “E Deus viu tudo quanto havia feito, e era muito bom. Houve uma tarde e uma manhã: o sexto dia” (Gn 1, 31).
A promessa feita após o pecado de nossos primeiros pais – “Porei inimizade entre ti e a mulher, entre a tua descendência e a dela. Esta te ferirá a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar”(Gn 3, 15) – realizou-se no plano eterno de salvação, quando o Verbo de Deus se fez carne no ventre da Virgem Maria, escolhida dentre todas as mulheres, vista com amor infinito pelo Pai do Céu, que a preservou de toda mancha do pecado, aquela que foi saudada com expressões inusitadas: “Alegra-te, cheia de graça! O Senhor está contigo” (Lc 1,28). Ao celebrá-la como Imaculada, a Igreja propõe a todos os cristãos um sinal precioso, exemplo maravilhoso do projeto de Deus realizado.
Ser preservada da mancha do pecado original não isentou a Virgem Maria de todas as realidades humanas, vividas de forma excepcional, mas, de verdade, humanas! Nós a vemos solícita na caridade, a perfeição maior da humanidade, indo à casa de Isabel para servir. Em Nazaré, durante os anos da vida oculta de Jesus, conhecido apenas como filho do Carpinteiro, é a mulher da escuta, guardando todos os acontecimentos e meditando-os em seu coração. Em Caná, perfeição tem nome de atenção e solicitude. Na vida pública de Jesus, aquela que buscou viver a Palavra de Deus e se apaixonou pela sua vontade não faz outra coisa senão agradar a Deus. Aos pés da Cruz, quando uma espada de dor traspassou sua alma, acolhe com inteireza a realização de sua missão. Só então, percorridas todas as etapas anteriores, a Imaculada estará em oração, com os discípulos de seu Filho, aguardando a vinda do Espírito Santo, cuja força conduz a Igreja pelos caminhos da história.
Ousamos propor um caminho para sermos santos e imaculados, aos olhos de Deus, no amor! É uma estrada (ascese, subida!) para a perfeição, olhando para Maria, já que Deus no-la oferece para descobrirmos como todos nós fomos pensados!
Comecemos pelo discernimento, ao identificar, no meio de tantas outras vozes, aquela que vem de Deus e nos oferece uma missão. Quem descobre seu lugar e estabelece metas com clareza, poderá enfrentar melhor os obstáculos. Trata-se de apurar o ouvido, com a ajuda preciosa do Espírito Santo de Deus que conduz todas as pessoas que se exercitam na estrada da docilidade. Maria, a Virgem da Escuta, Imaculada em Nazaré, bendita entre as mulheres, será sempre a referência perfeita para quem quer percorrer esta estrada.
Perfeição na caridadeé a segunda proposta. Não se trata de perfeccionismo, mas muito mais de abertura para aproveitar todas as oportunidades e fazer sempre o bem. Afinal, sabemos que “a caridade cobre uma multidão de pecados” (1 Pd 4,8). Dar o primeiro passo para amar e servir é estrada infalível para a perfeição do amor, o caminho da Imaculada!
Trabalhar, correr de um lado para outro, encontrar-se com as pessoas, buscar água na fonte, preparar os alimentos, cuidar da casa… Maria, a Imaculada, foi discípula do próprio Filho. O dia a dia bem vivido, tirando todas as lições dos acontecimentos, é outra indicação a ser acolhida. Não se trata tanto de fazer grandes coisas, mas realizar com grandeza de alma todos os passos de cada jornada, sabendo que a cada dia basta o seu cuidado (Cf. Mt 6, 34). A atenção a cada pessoa que passa por nós será exercício de equilíbrio e autocontrole, jeito próprio de Maria para viver, caminho de imaculatização.
A Virgem de Caná é a Imaculada que nos conduz ao que é essencial: “Fazei tudo o que ele vos disser (Jo 2, 15)!” A vida se torna milagre e o pecado é vencido quando somos capazes de renunciar a nós mesmos e acolher a receita dada por aquela que a oração da Igreja chama de “Sede da Sabedoria”. Não é suficiente viver, mas necessário saber viver, descobrindo, na escuta da Palavra de Jesus, a estrada para que tudo se transforme. A aparente falta de graça do cotidiano é preenchida quando os potes são apresentados a Jesus. Dá para oferecer-lhe tudo, sem medo ou receio!
Diante do sofrimento de qualquer ordem que se apresente, há também uma estrada mestra a ser percorrida. Não imaginar que alguém será dele preservado, mas transformar cada dor, por menor que seja, em amor a Deus e ao próximo. A inteireza de pessoas maduras, diante da enfermidade ou das crises diversas que a vida oferece, sem fatalismos, é prova de que está em processo um caminho de perfeição, malgrado todos os limites pessoais. Aos pés da Cruz, a Virgem Imaculada é a mulher de personalidade sólida e madura diante dos desafios.
A Virgem Imaculada chegou ao Cenáculo, perseverou em oração com os discípulos (At 1, 14), deixou-se envolver mais uma vez pelo dom do Espírito Santo que a tinha coberto com sua sombra (Cf. Lc 1, 35). Aquele que é perfeito e a criou entregou-a à Igreja, Mãe e companheira, figura e modelo da própria Igreja, para ser sinal da vitória sobre o mal e o pecado, até o fim dos tempos, ajudando os cristãos a prepararem a vinda do Senhor: “Então apareceu no céu um grande sinal: uma mulher vestida com o sol, tendo a lua debaixo dos pés e, sobre a cabeça, uma coroa de doze estrelas” (Ap 12, 1). A Imaculada e a Igreja! Que graça imensa participar de tal caminho de perfeição. “Ó Maria concebida sem pecado, rogai por nós que recorremos a vós”!
Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL