Por Cardeal Geraldo Majella Agnelo

No evangelho de terça-feira (02), Lucas 4, 21-30, Jesus em Nazaré confronta-se com os seus concidadãos sobre o título de profeta que lhe compete. Nem mesmo hoje o papel de profeta está ultrapassado. O Concílio Vaticano II reconheceu à Igreja missão profética no mundo. Todo cristão é chamado, como Cristo, a ser profeta e testemunha.

Já a primeira leitura, Jeremias 1, 4-5, 17-19, apresenta a figura de um grande profeta, Jeremias, e o oráculo com que foi chamado ao seu papel de porta voz de Deus. Jeremias é constituído Profeta das nações, falará em nome de Deus. Educará o povo na fé e receberá em troca hostilidade e perseguição. Mas o Senhor estará com ele.

A segunda leitura nos propõe uma das mais belas páginas de São Paulo, conhecida como hino à caridade. Fé, esperança e caridade são as três virtudes que caracterizam o cristão, formam a base espiritual e sustentáculo moral. Mas o apóstolo afirma que a caridade é a maior de todas.

O profetismo não está morto. O problema do profetismo nos diz respeito a cada um.

Nossos dicionários costumam apresentar o profeta como quem prediz o futuro. Às vezes pensamos que equivale a adivinho. Profeta vem do grego, significa o que fala em nome de. O termo hebraico significava o que é chamado por Deus, portanto por ele mandado como mensageiro, arauto, embaixador, núncio. O profetismo de que fala a Bíblia resulta aos estudiosos um fenômeno singular que acompanhou a história do povo eleito por ao menos um milênio, de Moisés a João Batista, a Jesus. E também outros.

Da longa história de Israel se constata que o Senhor se serviu dos profetas para educar e conduzir o seu povo a viver na Aliança, para lhe falar e amadurecê-lo na fé. Os profetas do Antigo Testamento resultam os representantes de Deus junto ao seu povo, que lhe falavam em seu nome, o guiavam na descoberta dos valores religiosos e morais, o prepara a comportar-se como povo fiel a Aliança que contraiu com o Senhor.

Jeremias viveu sete séculos antes de Cristo, quando era clara a iniciativa de Deus ”Eu te estabeleci profeta das nações. Vamos, põe a roupa e o cinto, levanta-te e comunica-lhes tudo o que eu te mandar dizer.” Jeremias tornou-se consciência crítica diante do mundo, leva o juízo de Deus sobre os homens, denuncia a mentira, desmascara o reino do mal, empenha-se em construir o reino da verdade e de Deus.

Jesus, como diz o evangelho de hoje, aceita a qualificação de profeta, e aplica a si mesmo citando o provérbio: Nenhum profeta é aceito na sua pátria. Os discípulos já tinham percebido que Jesus era mais que um profeta, e enfim chegaram à conclusão que era Filho de Deus, o Verbo encarnado. Jesus não somente transmite a palavra de Deus, mas é a Palavra de Deus.

O Verbo fazendo-se homem colocou-se ao nosso nível, acolheu em si as características da condição humana. No plano religioso a qualificação de Profeta lhe cabe bem, do momento em que veio entre nós para falar em nome do Pai, a trazer aos homens a grata notícia da sua salvação. Característica de todos os profetas, inclusive Jesus: a recusa, o isolamento, a contestação, a perseguição, o exílio, a morte. Na sua vida pessoal, Jesus condivide a sorte dos profetas. Sabia que não fazia exceção. É sinal de contradição e pedra de escândalo, será perseguido e condenado a morte.

Jesus em sua cidade de Nazaré, falou na sinagoga. Falou bem. Todos maravilhados lhe renderam testemunho. E por isso perguntavam: Não é o filho de José? Um deles, um como eles! Não acreditam. Pedem milagres.

É uma história que continua. A Igreja recebeu de Jesus a sua missão: continuar o anúncio do evangelho. O anúncio profético mobiliza todos os cristãos. São chamados por Deus. A Igreja é um povo de profetas. Também nós, quando vivemos como verdadeiros cristãos e damos aos outros a razão da nossa esperança, fazemos ecoar no mundo o anúncio profético de Jesus.

Às vezes dizemos que estamos cansados de ser cristãos, lamentamos que viver como cristãos, fazer nossos deveres, que ao procurar dizer uma palavra de fé, recebemos em troca desilusões e amarguras. Não somos compreendidos. O Senhor nos ajude a compreender.
 

Fonte: CNBB