Duas crianças conversando, diziam “cada pessoa é de um jeito, até na cor”. E, assim, achavam Deus o maior artista do mundo, de todo o infinito do tempo, porque foi Ele quem criou as pessoas deste jeito de muitas cores de peles. A “boniteza” com que as crianças olham para a criatividade do nosso Deus é grande. Infelizmente, grande, também é o olhar de superioridade que lançamos uns para os outros, principalmente pelas diferenças e até nas diferenças de cor da pele. E a história demonstra que somos capazes de tornar o outro escravo. Somos capazes de colocar a nossa ganância acima do amor com que Jesus nos convidou a viver: “Amai-vos uns aos outros. Como eu vos tenho amado, assim também vós deveis amar-vos uns aos outros” (Jo 13, 34).

Zumbi dos Palmares foi um líder quilombola que lutou contra a escravidão dos negros no Brasil e o dia atribuído a sua morte, um dia 20 de novembro, foi escolhido como o Dia Nacional da Consciência Negra. Este dia foi criado no ano de 2003, mesmo ano em que foi incluído no calendário escolar, e foi instituído em âmbito nacional pela Lei 12.519. É um dia oportuno para fazermos memória às nossas raízes afrodescendentes que enriquecem todo um povo. Mas não é só isso: é um dia em que precisamos recordar que somos filhos de Deus e, portanto, deveríamos considerar todos os seres humanos iguais em dignidade, como nos apontam as Sagradas Escrituras e o Magistério da Igreja.

A Igreja Católica não se colocou a favor da escravidão. No ano de 1435, por exemplo, o Papa Eugênio IV publicou a Bula Sicut Dudum, em que ordenava a libertação dos escravos das Ilhas Canárias. Seguiram-se outros documentos ao longo dos séculos, proclamados por outros papas. Sobre o racismo, a Carta Encíclica Pacem in Terris (A paz de todos os povos na base da verdade, justiça, caridade e liberdade), escrita pelo Papa São João XXIII em abril de 1963, apresenta o seguinte no número 86: “As relações mútuas entre os Estados devem basear-se na verdade. Esta exige que se elimine delas todo e qualquer racismo. Tenha-se como o princípio inviolável a igualdade de todos os povos, pela sua dignidade de natureza”. E qual é a verdade para os cristãos? A verdade é uma só: Jesus Cristo, o Filho de Deus. E sabemos que nosso Deus não faz acepção de pessoas, conforme São Paulo escreve aos Gálatas. A Encíclica Pacem in Terris apresenta ainda que: “Realmente não pode um homem ser superior a outro por natureza, visto que todos gozam de igual dignidade natural”.

A Constituição Pastoral Gaudium et spes, publicada em 1965, aponta para a importância da dignidade da pessoa humana, sendo os direitos e deveres universais invioláveis. O ser humano, portanto, necessita de uma vida atendida em suas necessidades vitais e humanas, passando pelo campo biológico e de bem estar social e, também pelo espiritual, intelectual, psicológico, enfim, o ser humano considerado em todas as suas dimensões. O Papa Francisco, no ano de 2018, em um discurso aos participantes da Conferência Mundial sobre “Xenofobia, racismo e nacionalismo populista, no contexto das migrações mundiais”, afirmou que “quando a dignidade do homem é respeitada e os seus direitos são reconhecidos e garantidos, florescem também a criatividade e a audácia, podendo a pessoa humana explanar suas inúmeras iniciativas a favor do bem comum”.

Diante do exposto, é incoerente aos cristãos considerarem pessoas inferiores, seja por qual for o motivo, e se omitirem diante das injustiças sociais. Não se trata de uma mera ideologia, mas de caminhar na verdade, enquanto cristãos autênticos. A variedade de cor de nossa pele deveria nos fazer celebrar a beleza do ser humano, a obra-prima do Senhor. Falta mais “boniteza” em nosso olhar. A Civilização do Amor precisa continuar a ser construída. E nós a miramos quando lançamos uns sobre os outros um olhar enquanto irmãos, um olhar de dignidade de cidadãos dos céus. Cidadãos dos céus que já sonham com a Jerusalém Celeste aqui na terra, sendo cidadãos exemplares em suas realidades atuais. Um testemunho baseado na fé em Cristo Jesus, pela força do Espírito Santo de Deus. Paz e bem.

——————
Iacy Batista Garcia
Coordenadora Estadual do Ministério de Promoção Humana da RCC SP
GPP Maranatah – Arquidiocese de São Paulo