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A Semana Santa abre-se com o Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor. Duas tradições na História da Liturgia se unem. A memória da entrada real de Jesus em Jerusalém e o prenúncio que essa entrada apresenta da paixão e morte do Senhor Jesus.

Quando se aclamava um rei no Antigo Testamento havia alguns rituais: a proclamação, a unção, o estar sobre um animal apresentando-se em triunfo e o reconhecimento do povo. A proclamação do Rei Salomão por ondem do rei Davi ilustra bem isso: “O sacerdote Sadoc desceu com o profeta Natã, Banaías, filho de Joiada, os cereteus e os feleteus. Fizeram montar Salomão na mula de Davi e conduziram-no a Gion. Tomou o sacerdote Sadoc no tabernáculo o chifre de óleo e ungiu com ele Salomão. A trombeta soou e todo o povo pôs-se a gritar: “Viva o rei Salomão!”. Depois toda a gente acompanhou-o em cortejo, tocando flauta e fazendo grandes festas, de modo que a terra vibrava com suas aclamações” (1 Rs 1,38-40).

Jesus sempre resistiu em que o proclamassem rei, porque ainda não havia chegado a hora e Jesus não queria enquadrar-se na visão de rei-messias que o povo tinha. “Jesus, percebendo que queriam arrebatá-lo e fazê-lo rei, tornou a retirar-se sozinho para o monte” (Jo 6,15).

Porém, chegou o dia de Jesus assumir que era rei e o ritual segue como dito acima:

– Jesus monta num jumento, cumprindo a profecia de Zacarias (Zc 9,9): 

Assim, neste acontecimento, cumpria-se o oráculo do profeta: Dizei à filha de Sião: Eis que teu rei vem a ti, cheio de doçura, montado numa jumenta, num jumentinho, filho da que leva o jugo

Mateus 21,4-5

– Aclamação como rei: “E toda aquela multidão, que o precedia e que o seguia, clamava: “Hosana ao filho de Davi! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hosana no mais alto dos céus!” (Mt 21,9).

– Grande festa: “E muitos estendiam as suas vestes no caminho, e outros, ramos que haviam cortado dos campos” (Mc 11,8). Recordemos o salmo real: Que o Senhor e nosso Deus nos ilumine! Empunhai ramos nas mãos, formai cortejo, aproximai-vos do altar, até bem perto! ” (Sl 117,27).

Não há mais dúvida, Jesus assume-se como o Rei Messias, o Rei ungido prometido pelos profetas. Na mente do povo Jesus seria o rei que viria libertar Israel. Porém, Jesus deixa claro que tipo de rei ele é. Diante da inquirição de Pilatos sobre sua condição, Jesus responde: “O meu Reino não é deste mundo. Se o meu Reino fosse deste mundo, os meus súditos certamente teriam pelejado para que eu não fosse entregue aos judeus. Mas o meu Reino não é deste mundo” (Jo 18,36). Também a visão de poder de Jesus era completamente diferente do pensamento mundano, diante do pedido dos filhos de Zebedeu de participarem do poder: “Sabeis que os chefes das nações as subjugam, e que os grandes as governam com autoridade. Não seja assim entre vós (…) o Filho do Homem veio, não para ser servido, mas para servir e dar sua vida em resgate por uma multidão” (Mt 20,25b.26a.28). Esse é o reinado de Jesus, dar a vida para o resgate dos seres humanos do pecado.

Na sexta-feira da Semana Santa celebramos essa entrega de Jesus. E sobre a cruz é colocada a causa principal de sua condenação: “Jesus Nazareno, rei dos judeus” (Jo 19,19b). Diante do protesto dos sacerdotes, Pilatos rebate: “o que escrevi, escrevi” (Jo 19,22). Interpretando a Escritura, Jesus é realmente rei pela sua cruz, como um canto tradicional da Igreja: “Árvore, inclina os teus ramos, abranda as fibras mais duras. A quem te fez germinar minora tantas torturas. Leito mais brando oferece ao Santo Rei das alturas” (Sexta-feira da Paixão do Senhor, Hino das Laudes).

Jesus é rei doando sua vida na cruz. Vamos rever o ritual da proclamação de Jesus como rei. Não é aclamado como rei, mas vilipendiado e humilhado: “O povo estava ali e a tudo observava. Também as autoridades zombavam e diziam: Salvou os outros; a si mesmo se salve, se é, de fato, o Cristo de Deus, o escolhido” (Lc 23,35). Não é revestido de manto real, mas é despido e coroado de espinhos: “Depois de o crucificarem, repartiram entre si as suas vestes, tirando a sorte” (Mt 27,35). E os soldados o ultrajam como rei: “Os soldados teceram de espinhos uma coroa e puseram-na sobre a cabeça e cobriram-no com um manto de púrpura. Aproximavam-se dele e diziam: “Salve, rei dos judeus!”. E davam-lhe bofetadas” (Jo 19,2-3). Não é levado em triunfo, mas carrega uma cruz (Cf. Jo 19,17).

No Domingo de Ramos não somente agitamos os ramos, mas nós somos os ramos. Impotentes seres humanos, limitados e mortais, nossa vida existe para louvar o verdadeiro rei que deu a vida para a nossa salvação. Cristão não deve querer ser coroado, mas ser servidor como Messias. A outra opção é querer ser exaltado, e quando assim pensamos podemos tomar o lugar daqueles que humilharam Jesus. Diante da pretensão dos discípulos de serem poderosos, Jesus diz que entre os seus discípulos não deveria ser assim. Diante de nós há somente duas opções: ou optamos por servir e dar a vida para que o outro tenha vida, ou nos fechamos em nosso orgulho e vaidade e seguimos o pensamento mundano.

Adoremos o nosso rei, o Senhor Jesus, o verdadeiro rei, e sigamos os seus passos, assim viveremos plenamente não somente a Semana Santa, mas a verdadeira vida cristã. 

Padre Micael de Moraes, Sjs

Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Pentecostes

e São Francisco de Assis