Não podemos imaginar a fé cristã apenas como o recebimento de um belo discurso ou de experiências alheias que nos foram transmitidas. É preciso considerar que o testemunho de fé provoca no ouvinte uma profunda comoção (cf. At 2,37) e é essa experiência do Espírito que, por sua vez, leva à conversão e ao batismo (At 2,38).

Heribert Mühlen define experiência como sendo “o conhecimento adquirido no múltiplo contato com os homens e coisas, em oposição ao conhecimento meramente livresco. Experiência se dá sempre pelo contato imediato, proporcionado pelos sentidos, em oposição ao conhecimento que adquirimos através dos outros, por leitura ou por ouvir dizer”.

Realmente, uma coisa é ouvir alguém descrever a beleza de um jardim florido; outra coisa é entrar num jardim, ver a beleza das flores e sentir os seus perfumes.

Ao dizer que o Espírito vai nos “lembrar” tudo o que fora dito por Jesus (Jo 14,26), Mühlen defende que “lembrança” significa tornar novamente presente, atualizando o fato.

“Não se trata de um salto de volta, não-histórico, numa Igreja primitiva idealizada, e sim da abertura para o fato maravilhoso de que o Espírito Santo desce sobre nós, aqui e agora, da mesma forma experimentável que Ele, ‘no princípio’, desceu sobre os Apóstolos, Maria e os demais que estão mencionados na história pentecostal de Lucas (At 11,15)”.

Mühlen entende a experiência do Espírito como um acontecimento que “impele o homem a sair de si mesmo, movendo-se a auto transcender-se e até a auto entregar-se aos serviços dos outros.” “A experiência do Espírito não se dá num sentido isoladamente vertical, num imediatismo não-histórico com Deus”34, obviamente. Reconhecemos que o Novo Testamento nega que se possa falar de um conhecimento radicalmente imediato de Deus, como assim exigem a gnose e a mística fora do cristianismo.

“Qualquer “conhecimento” relativo a Deus está ligado à revelação de Jesus, pois só Ele viu realmente o Pai. A sua revelação provém de “experiência direta de Deus’ (cf. Jo 3,32s). Jesus, pelo seu testemunho, deixa-nos participar da sua própria experiência de Deus […]. Nós vemos e experimentamos, portanto, o Pai apenas na medida em que, na força do Espírito de Jesus, damos testemunho da sua experiência de Deus”.

Experiência, na definição de Congar, é a “percepção da realidade de Deus vindo até nós, ativo em nós e por nós, atraindo-nos a si numa comunhão, numa amizade, isto é, num ser um para o outro.” Nesse sentido, não somos nós quem buscamos ter a experiência de Deus, mas é Deus quem nos atrai para dentro de uma experiência de amor, permitindo-nos entrar na intimidade de uma amizade consigo. Portanto, todo o esforço do homem compreende apenas uma resposta livre à força de atração amorosa do Deus-Espírito que deseja ser “buscado e tocado”.

O que percebemos na vida daqueles que fizeram a experiência do Espírito, tanto no Pentecostes de Jerusalém como nos subsequentes, é que tal experiência foi determinante para aquilo que viriam a viver posteriormente. A experiência do Espírito sofrida pelos discípulos foi decisiva para a capacitação e impulso na missão que haviam sido chamados. De fato, os frutos dessa capacitação do Espírito são facilmente percebidos nos capítulos posteriores à narrativa do acontecimento Pentecostes. Como exemplo vemos “Pedro, de pé, junto com os Onze, levantando a voz…” (At 2,14) para realizar, sob inspiração do Espírito, a primeira pregação da comunidade primitiva. Atitude de coragem e ousadia que apontam um novo comportamento na figura do pescador pós-Pentecostes.

O papa Paulo VI, consciente de que o Espírito Santo é o protagonista na evangelização, exclama:

“Realmente, não foi senão depois da vinda do Espírito Santo, no dia de Pentecostes, que os apóstolos partiram para todas as partes do mundo a fim de começarem a grande obra da evangelização da Igreja; e Pedro explica o acontecimento como sendo a realização da profecia de Joel: “eu efundirei o meu Espírito”. E o mesmo Pedro é cheio do Espírito Santo para falar ao povo acerca de Jesus Filho de Deus. Mais tarde, Paulo, também ele é cheio do Espírito Santo antes de se entregar ao seu ministério apostólico, e do mesmo modo Estevão, quando foi escolhido para a diaconia e algum tempo depois para o testemunho do martírio”.

As atitudes dos discípulos são verdadeiras “demonstrações do Espírito e do poder divino” (1Cor 2,4), que podem ser “vistas e ouvidas”(cf. At 2,33).

A experiência comunitária de efusão do Espírito vai ser evidenciada não somente pela pregação querigmática, mas, sobretudo, pela nova forma de viver dos membros da comunidade nascente. Além do mais, essa nova vida no Espírito confere a eles um protagonismo de parresia naquela sociedade. Tornar-se-ão “fermento na massa” (cf. Lc 13,21), fazendo crescer o reino de Cristo por todas as partes em que haveriam de passar.

Você gostou deste texto? Ele faz parte do livro Cultura de Pentecostes, escrito pelo coordenador estadual da RCC São Paulo, Rogério Soares. A obra está disponível através do site da Editora RCCBRASIL.