As estruturas de poder estão presentes em cada canto do mundo, lutam por elas as pessoas através de eleições, sucessão, golpes ou tramoias. Alguém vai sempre exercer o poder, e sua dinâmica conduz o mundo para frente ou para trás, podendo inclusive levar a enormes desastres. Gente de todas as idades acaba assistindo filmes ou espetáculos, retratos do quotidiano, que reportam as lutas pelo domínio de fatias da vida social, tomam partido, torcem pela parte que lhes é simpática e tantas vezes aplaudem a derrota ou morte de pessoas e grupos. No correr da história alternam-se os poderosos, utiliza-se o poder que, em princípio, deveria emanar do povo, manipulam-se as massas e as esperanças se acendem ou se apagam segundo as tendências de cada época.
É neste mundo, carregado de conflitos e lutas, que alguns até já consideraram indispensáveis para chegar à solução dos grandes problemas da sociedade, que a Palavra de Deus anuncia uma realidade chamada “Reino”. A história do Povo de Deus no Antigo Testamento foi também acompanhada pela constituição de reino e reinos, lutas pelo poder, desastres e esperanças. Invasões, exílios, domínio de potências estrangeiras, tudo fez parte da história que se fez sagrada porque conduzida pelo amor do próprio Deus, Senhor desta história, que misteriosamente conduz os acontecimentos.
Mesmo apanhando e sofrendo muito, aquele povo tinha como ponto de honra a escolha feita por Deus. Diante de todas as forças, havia uma certeza: “Tu, porém, Israel, és o meu servo, foste tu, Jacó, a quem eu escolhi, descendência de Abraão, meu amigo! Lá num canto do mundo eu te dei a mão, eu te chamei lá dos confins da terra. Eu te disse: Tu és o meu servo. Eu te escolhi e não te deixei. Não tenhas medo, que eu estou contigo. Não te assustes, que sou o teu Deus. Eu te dou coragem, sim, eu te ajudo. Sim, eu te seguro com minha mão vitoriosa. Ficarão envergonhados e desapontados todos os que têm raiva de ti. Ficarão como nada e destruídos os que quiserem lutar contra ti. Vais procurar sem nunca encontrar quem queira combater contra ti. Os que quiserem te armar guerra, serão como o vazio e o nada. Isso, porque eu sou o Senhor, o teu Deus, eu te pego pela mão e digo: Não temas, que eu te ajudarei. Não tenhas medo, vermezinho Jacó, não te assustes, Israel, mísero inseto! Eu te ajudarei” – oráculo do Senhor, que é o teu Libertador, o Santo de Israel” (Is 41, 8-14).
Na voz dos profetas acendeu-se a esperança de que seriam cumpridas as promessas com a chegada do Messias, enviado de Deus, a quem caberia restaurar o Reino. Muitos desanimaram, mas permaneceu um “resto” fiel, gente de fibra, que tinha a certeza da fidelidade de Deus e passava às sucessivas gerações a mesma esperança.
E as promessas se cumpriram, mas do jeito de Deus, quando muitos até projetavam a realização do Reino modo muito parecido com os reinos, exércitos e conquistas conhecidos! De repente, aparece Jesus, com o rosto da simplicidade e da pobreza. É chamado nazareno, por ter vivido num lugar de gente briguenta, de onde não se esperava nada de bom (Cf. Jo 1, 46). Reúne discípulos que certamente não faziam parte do melhor que pudesse existir na sociedade do tempo. Atrás dele vão doentes, pecadores, escória da população, e ninguém passa em vão ao seu lado. Entra em casa de todos, maus e bons, ricos e pobres. Multidões acorrem a ele e a esperança se acende. Mostra-se apaixonado pelo Reino de Deus e quer anunciá-lo. Para que os simples o compreendam, utiliza parábolas, histórias do cotidiano, tiradas do grande livro da vida. Convida as pessoas a descobrirem o mistério do Reino, presente e ao mesmo tempo escondido, que não impõe, mas está bem perto, mora ao lado das pessoas. O próprio Jesus é o Reino de Deus presente e a adesão à sua pessoa significa entrar e viver no Reino. O Reino de Deus está no meio das pessoas (Cf. Lc 17, 21). Seu trono é a Cruz, prova definitiva e plena de amor, com a qual a morte é vencida e a vida resplandece na Ressurreição do Senhor e as portas se abrem para todos.
O Reino de Deus não chega pela força, mas exige o uso do precioso dom da liberdade. Diante dele há que se tomar uma decisão: “Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo” (Mt 6, 33). E buscá-lo é optar por valores que significam caminhar contra a correnteza da avassaladora luta pelo poder, presente no mundo e dentro de cada pessoa. Uma das escolhas se chama “serviço” (Cf. Mc 10, 45), buscar não o domínio sobre os outros, mas exercitar a disponibilidade para construir o bem das pessoas. Quer dizer converter-se a cada dia, frente às responsabilidades pessoais, especialmente as que significam poder sobre quem quer que seja. Outro passo é a confiança na Providência Divina, pois o mundo não foi abandonado por quem o criou, mas é misteriosamente guardado e acompanhado pelo Senhor, que sabe conduzir tudo para o bem.
Acreditar no Reino de Deus é decidir-se a contribuir pela sua implantação e exige uma sensibilidade especial em relação às pessoas, como se expressa o Senhor na Parábola do Juízo final. Ver alguém com fome e dar de comer, com sede e dar de beber; receber em casa o forasteiro, vestir quem está nu, cuidar dos doentes e visitar os presos. São situações tão concretas e humanas, que dizem respeito justamente ao Reino de Deus. Não se trata de sonhar com alguma manifestação gloriosa do Senhor, mas apenas reconhecer sua presença. Ele como que se esconde atrás de cada pessoa humana. O Reino se faz presente a cada momento. Acreditar nele é viver bem o dia a dia e não fugir das responsabilidades. Deus entrou na vida humana de forma irreversível, para que cada ato de amor humano introduza a humanidade nas realidades da eternidade.
Na Solenidade de Cristo Rei do Universo, abram-se as portas para que todos se sintam acolhidos e bem recebidos. É o que a Igreja suplica: Deus eterno e todo-poderoso, que dispusestes restaurar todas as coisas no vosso amado Filho, rei do universo, fazei que todas as criaturas, libertas da escravidão e servindo à vossa majestade, vos glorifiquem eternamente. Amém.
“Festa de Cristo Rei”