
Na liturgia eucarística, após o prefácio, entoamos o canto “Santo, Santo, Santo”, seguido de um refrão breve, mas solene: “Hosana no alto dos céus”. Após esta primeira aclamação, dizemos “Bendito o que vem em nome do Senhor” e logo repetimos “Hosana nas alturas”. Em cada celebração eucarística repetimos esta palavra hebraica/aramaica, quiçá sem sabermos bem qual o seu significado.
A palavra Hosana vem do hebraico “hôšîʿâ-nā”, que significa “salva-nos, por favor” ou “salva-nos agora” (cf. Sl 117,25), mas logo passou a ser uma expressão de louvor e gratidão a Deus pela salvação. E é nesse sentido que a Igreja a recolhe no coração da liturgia eucarística: ação de graças.
Na narração da entrada em Jerusalém, Lucas mostra um paradoxo: Jesus entra em Jerusalém ao canto de “Bendito o Rei, que vem em nome do Senhor!” (19,28-39). Mateus e Marcos acrescentam a aclamação “Hosana ao Filho de Davi”. Entra o Rei, não sobre um cavalo real, mas montado num simples jumentinho. Se Jesus é “hosanado” como Rei da estirpe de Davi, a entrada na Cidade Santa sobre um asno começa a apontar para a realização do tempo escatológico: o Messias aclamado como Rei é o servo ao qual Isaias dedica seus Cânticos. A Tradição cristã vê nesses textos uma profecia direta da Paixão, Morte e Glória de Jesus Cristo (cf. At 8,32-35), coração da Liturgia da Semana Santa.
A liturgia do Domingo de Ramos é muito significativa. A entrada do Senhor, os hosanas, os ramos de oliveiras, os mantos deitados ao chão para a passagem do Senhor da glória compõem o cenário que tudo abre para a Grande Liturgia da Semana Maior. Após a benção dos Ramos e a proclamação do Evangelho, o celebrante convida o povo a iniciar a procissão para a igreja onde se prosseguirá a celebração com a leitura da Paixão e a realização do Santo Sacrifício. Entramos então no clima do grande retiro do povo de Deus. O Esposo da Igreja começa o caminho do calvário. Nesse momento deixamos de lado outras preocupações para estarmos com o Senhor, para contemplarmos o caro preço com que fomos resgatados.
Nos sofrimentos do Senhor a Igreja vê a realização das profecias do Servo nos vários Cânticos (cf Is 42, 49, 50, 52 e 53). Ele é o Escolhido, cheio do Espírito, que com mansidão e sem gritar traz o direito e a justiça a todos os povos. Ele vem para ser a luz para iluminar as nações, vence o desânimo pela confiança na justiça do seu Pai. Ele aceita os maus-tratos sem revolta e se mantém fiel na perseguição, vence o escárnio, a violência, com o silêncio e a mansidão da confiança no Pai até o fim. Enfim tudo se consuma: “Ele foi traspassado por causa de nossas transgressões, esmagado por nossas culpas”. A Santa Liturgia nos leva a participar espiritualmente do sofrimento redentor do Servo inocente. Ele toma sobre si as nossas dores e se oferece como sacrifício.
Por que, então, cantar hosanas se neste momento se descortina o dramático desfecho do ministério público de Jesus? O próprio Jesus, na Paixão gritará com as palavras do Salmo 21: “Eli, Eli, lamá sabactani – Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste”. O Senhor, ao anunciar sua morte, havia também anunciado a Ressurreição… Passou despercebido!
Agora desejamos ardentemente cantar hosanas ao Filho de Davi, acompanhá-lo em tudo até chegar ao Aleluia que está preso nas nosso peito. A preparação para uma frutuosa participação na Semana Santa deste ano jubilar nos impele à confiante esperança que não decepciona. Começaremos com Statio do Domingo de Ramos a entrar de coração com Jesus no mistério pascal, cantando hosanas como os filhos de Jerusalém, mas também reconhecendo no nosso Rei, o Servo. Não há contradição. A realeza da estirpe de Davi é a do Bom Pastor. Ela se mostrará nos sinais fortes do lava-pés.
Tivemos tempo para as pequenas obras penitenciais, abstinências, jejuns, mortificações dos persistentes vícios da velha criatura ainda presente em nós. Tivemos tempo para preparar e fazer uma boa confissão, para contemplar com os olhos limpos os mistérios do Senhor, especialmente a Sexta-feira da Paixão, e nos convidam a contemplar Cristo como Servo que se humilhou até a morte por amor. Vivamos na liturgia e nos atos de piedade desse tempo a verdade do amor redentor do Senhor.

Dom José Aparecido
Bispo da Diocese de Itumbiara (GO)
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL