Por Dom Eduardo Benes de Sales Rodrigues
“Ela deu à luz seu filho primogênito, envolveu-o em faixas e deitou-o numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria. Havia naquela região uns pastores que passavam a noite nos campos, tomando conta do seu rebanho. Um anjo do Senhor lhes apareceu e a glória do Senhor os envolveu de luz. Os pastores ficaram com muito medo. O anjo então lhes disse: “Não tenhais medo! Eu vos trago uma Boa Nova de uma alegria que será também de todo o povo: hoje, na cidade de Davi, nasceu para vós o Salvador, que é o Cristo Senhor! E isto vos servirá de sinal: encontrareis um recém-nascido, envolto em faixas e deitado em uma manjedoura. De repente, juntou-se ao Anjo uma multidão do exército celeste cantando a Deus: “Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos seres humanos por Ele amados”(Lc 2, 7-14).
Houve um teólogo antigo – Orígenes? – que entendeu que o pecado de Lúcifer e de seus acólitos – os demônios – consistiu na recusa em aceitar o plano do Pai que previa a Encarnação do Filho. A questão seria esta: “jamais aceitaremos adorar um ser humano inferior em natureza a nós anjos”. Imagine o leitor um imperador romano prostrado de joelhos diante do menino, enrolado em panos, no presépio de Belém. Satanás, inflado de orgulho, rebelou-se contra o desígnio de Deus e arrastou consigo uma terça parte das estrelas do céu: “com a cauda, varria a terça parte das estrelas do céu, atirando-as sobre a terra”(Apoc 12,4).
As estrelas do céu são os anjos. Veja, bem leitor, aqui está a raiz de todo pecado: a soberba. Curioso e emblemático que os doutores e sacerdotes de Jerusalém tenham dito aos magos, vindos de longe, onde deveria nascer o Salvador, mas eles mesmos não tenham ido a Belém para adorá-lo. Herodes quis matá-lo antes que ele crescesse por medo de perder o poder (Cf. 2, 3-23). Mas, felizmente há anjos bons, possuídos de santa e humilde inveja. Eles cantavam, envolvidos pela luz divina: “glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens por Ele amados”. Lutero, comentando o Cântico de Maria – o Magnificat -, afirmou que a hulmildade de Maria era tal que se Deus lhe tirasse a graça de ser a mãe do Messias e a desse a outra mulher, ela cantaria seu cântico com o mesmo júbilo, assim: “minha alma engrandece o Senhor, e meu espírito exulta em Deus, meu Salvador, porque Ele olhou para a humildade de sua serva” e nela – na minha irmã – “realizou maravilhas”. Os anjos naquela noite proclamaram o amor de Deus por nós, pobres mortais: “paz na terra aos homens por Ele amados”. Foi para eles uma infinita surpresa o mistério da Encarnação pelo qual o Deus Infinito se fez pequeno, abrigando-se sob a tenda de nossa humanidade, em tudo igual a nós, menos no pecado. Os anjos cantaram no céu, de olhos voltados para a terra, com tal vibração, que o céu desceu sobre os pastores envolvendo-os com sua luz.
A luz chegou antes que o canto: era a glória do Senhor que baixara sobre a terra. Logo chegou o canto: “uma multidão do exército celeste cantando a Deus: Glória a Deus nas alturas e paz na Terra aos seres humanos por Ele amados”(Lc 2,7-14). Quanto maior o amor, maior a humildade, a capacidade de descer e de se fazer próximo do outro, fazer nele morada e tornar-se para ele abrigo e fonte de paz. Ao “sereis como deuses”,- insinuação do maligno – cheios de poder, acima do bem e do mal, Deus, em sua misericórdia, responde fazendo-se pequeno e pobre, “nascido sob a lei”, sujeito à humana condição. Pelo pecado o ser humano encheu-se de si mesmo, pelo mistério da encarnação o Filho “esvaziou-se de si mesmo, assumindo a condição de servo” e “humilhou-se, fazendo-se obediente até a morte e morte de Cruz”(cf. Fl 2,6-8). “Por isso, Deus o exaltou acima de tudo” e o fez “Senhor” (2, 9-10). Qual a lição, a grande lição que devemos tirar de todas essas coisas? Em primeiro lugar, a certeza de que Deus nos ama de verdade e se esconde sob os trapos de nossa humanidade.
Não é verdade que às vezes nos sentimos como trapos? Em segundo lugar, a alegria de saber que Deus ama o outro tanto quanto a mim, infinitamente. Em terceiro lugar, ter a coragem de sair do próprio mundo para chegar até o mundo do outro, para compreendê-lo e oferecer-lhe uma amizade sincera na igualdade que só o amor pode criar. O desejo de onipotência é o oposto do Deus Onipotente. A onipotência de Deus é força infinita de amor capaz de vencer todas as distâncias. A soberba enclausura na mais absoluta soliodão e se transforma em ódio. É o inferno. Mas, no Natal o céu desceu à terra. Podemos ser cidadãos do céu. A alegria da Virgem Maria e de seu esposo José, a alegria dos pastores e dos magos vindos de longe, seja ambém sua alegria, brilho do céu no rosto de sua alma! E que seu clarão ilumine sua casa! E que a luz que brilhou sobre os pastores brilhe sobre nossa cidade!
Fonte: CNBB