Este texto foi retirado da Revista Renovação, edição 94, Somos cidadãos do céu. Por ocasião do Dia de Finados retomamos o convite da presidente do Conselho Estadual da RCC de São Paulo, Lucimar Mazieiro, à reflexão da morte sob a perspectiva cristã, vendo-a não como um fim, mas como o começo da vida eterna. Confira:

 

Quando paramos para refletir sobre a morte, percebemos o quanto existem pessoas que ainda têm medo dela. Isso atribuímos ao fato de ser ela um mistério, ser um desconhecido. Sendo assim, aparecem os medos, até porque não sabemos quando, como e nem onde ela virá nos visitar. Exatamente por esses motivos é interessante meditar sobre a morte, vendo-a não como um fim, mas o começo da vida eterna.

Temos uma visão de que depois da morte alcançaremos o céu. Portanto, para chegar ao céu é preciso passar pela morte. Essa passagem muitas vezes se torna assustadora pelo fato de não sabermos como se dará e também pelo medo do sofrimento, na visão que alguns têm de um Deus que pune os pecados, ao invés de vê-lo como um Deus que é misericórdia. Quando nos deparamos com o assunto morte, é comum concluirmos que, na verdade, a vida nesta terra é passageira, pode ser uma breve passagem. E para não sermos surpreendidos pela morte, somos ensinados a construir a vida eterna, nos abrindo assim para a valorização da vida, da caridade fraterna, da generosidade, da doação, da justiça, da verdade.

São Paulo, quando escreve a segunda carta a Timóteo, vai dizer: “se morrermos com Ele, com Ele viveremos. Se soubermos perseverar, com Ele reinaremos…”. Mergulhar nesta palavra é perceber que, como Cristo ressuscitou dos mortos, nós alcançamos a plenitude da vida, por isso, não paramos na reflexão da morte, mas na alegria da ressurreição, pois, ao passar pela morte, Cristo é vencedor sobre ela. Ou seja, Cristo é mais forte do que a morte, e, ao passarmos por ela, poderemos contemplar a glória do céu e nos depararmos face a face com o Senhor. Aquele que crê em Jesus Cristo não para na morte, mas passa por ela como Ele passou.

Quando lemos o profeta Isaías em 53,4: “Ele tomou sobre si nossas enfermidades, e carregou os nossos sofrimentos… Ele foi castigado por nossos crimes e esmagado por nossas iniquidades… Fomos curados por suas chagas”, é possível perceber o sofrimento de Cristo ao passar pela morte. E o que essa morte significou para nós? Na verdade, Ele tomou sobre si o peso de nossos pecados, o peso da humanidade ferida. Mas fica evidente que, com a ressurreição, essa humanidade ferida pelo pecado é transfigurada. Toda nossa veste, que foi suja pelo pecado, na ressurreição, é alvejada pelo sangue do Cordeiro: recebemos vestes novas tecidas pelo amor.  É possível passar da morte para vida, pois em Cristo Ressuscitado tudo que é morte, que é trevas, que é enfermidade, Nele tudo é transformado.

No ano de 2007, o papa Bento XVI, na homilia Pascal, disse:

“Na Carta aos Efésios lemos que Ele desceu nas regiões mais profundas da terra e que Aquele que desceu é o mesmo que também subiu acima de todos os céus para encher o universo (cf. 4, 9-10). Na escuridão impenetrável da morte Ele entrou como luz – a noite fez-se luminosa como o dia, e as trevas tornaram-se luz. Por isso, a Igreja justamente pode considerar a palavra de agradecimento e de confiança como palavra do Ressuscitado dirigida ao Pai: “Sim, viajei até às extremas profundezas da terra, no abismo da morte e trouxe a luz; e agora ressuscitei e permaneço para sempre seguro pelas tuas mãos”. Mas as palavras do Ressuscitado ao Pai tornaram-se também palavras que o Senhor dirige a nós: “Ressuscitei e estou contigo para sempre”, diz a cada um de nós. “A minha mão te mantém. Onde quer que possas cair, cairás em minhas mãos. Estou presente até mesmo nas portas da morte. Onde ninguém já não pode acompanhar-te e onde nada podes levar, ali eu te espero e transformo para ti as trevas em luz”.

Aqui, entendemos que Cristo venceu a morte e entrou no mundo dos mortos, mas não ficou lá; levou sua luz onde há trevas, levou a vida onde só reinava a morte, venceu a morte. Talvez você se pergunte: mas como a morte se torna passagem para o céu? Como a vida vence a morte? É interessante seguir essa mesma fala do papa Bento XVI:

“No Credo professamos a respeito do caminho de Cristo: ‘Desceu à mansão dos mortos’. O que acontece, então? Visto que não conhecemos o mundo da morte, podemos representar este processo de superação da morte somente com imagens que permanecem sempre pouco apropriadas. Porém, com toda a sua insuficiência, elas nos ajudam a entender algo do mistério. A liturgia aplica à descida de Jesus na noite da morte a palavra do Sl 24 [23]: ‘Levantai, ó pórticos, os vossos dintéis, levantai-vos, ó pórticos eternos!’. A porta da morte está fechada, ninguém dali pode voltar para trás. Não existe uma chave para esta porta férrea. Cristo, porém, possui a chave. A sua Cruz abre de par em par as portas da morte, as portas irrevogáveis. Elas agora já não são intransponíveis. A sua Cruz, a radicalidade do seu amor é a chave que abre esta porta. O amor d’Aquele que, sendo Deus, se fez homem para poder morrer – este amor tem a força para abrir esta porta. Este amor é mais forte que a morte. (…) Jesus que entra no mundo dos mortos, leva os estigmas: as suas feridas, os seus padecimentos tornaram-se poder, são amor que vence a morte.”

Vejo ser muito interessante esta homilia, por isso podemos a nos aprofundar um pouco mais:

“Que novidade realmente aconteceu ali através de Cristo? (…) Nada pode contentar o homem eternamente, se não o estar com Deus. Uma eternidade sem esta união com Deus seria uma condenação. O homem não consegue chegar ao alto, mas deseja-o: Só o Cristo ressuscitado pode elevar-nos até à união com Deus, onde nossas forças não podem chegar. Ele carrega realmente a ovelha perdida sobre os seus ombros e a leva para casa. Vivemos sustentados pelo seu Corpo, e em comunhão com o seu Corpo alcançamos o coração de Deus. E só assim a morte é vencida, somos livres e nossa vida é esperança”.

Diante de palavras tão profundas, afirmamos que não podemos nos acomodar com a realidade da morte que, muitas vezes, habita em nós pelo desespero, pela angústia, pela solidão, pelo descontentamento, pelas fraquezas, pelos nossos limites, pelas nossas dores, mas devemos nos aproximar de Cristo, do seu sofrimento, de sua dor e, em unidade a Ele, sentir que Ele gera vida em nós, que Ele traz a ressurreição a nós e nos faz novas criaturas.

Quando refletimos sobre a morte, também refletimos sobre o sentido da existência humana. Gosto de lembrar quando o papa Francisco reflete sobre o dia de finados e nos leva a pensar que com a morte acabam para aquela pessoa a disputa, a vanglória, a riqueza deste mundo terreno, o partidarismo político, as ideologias, enfim, só permanece aquilo que foi realizado por amor e com amor. O mais se tornará cinzas e irá para o esquecimento com o passar do tempo. Ao contrário, quando passamos por situações de perdas de pessoas que marcaram de maneira boa nossa vida, quando lembramos fica o sentimento de saudade, e, se nosso relacionamento foi bom, dentro do amor, ao lembrar, o amor nos consola. Portanto, podemos até sofrer com a saudade, mas o amor nos conforta e não nos desesperamos, porque não desperdiçamos a oportunidade de bem conviver, de amar e de perdoar.

Passamos pela morte, almejando o céu. O céu é o local do encontro!

Quero terminar, pedindo, como o papa Francisco, à Nossa Senhora, Porta do Céu, que nos ajude nesta peregrinação cotidiana sobre a terra a não perder jamais de vista o objetivo final da vida, que é o Paraíso.

 

Lucimar Mazieiro

Presidente do Conselho Estadual da RCC São Paulo

Grupo de Oração Javé Chammá

 

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