A Igreja ficou ornada de jovialidade, beleza e força, desde que a partir do Concílio Vaticano II ela se deixou tomar por renovada expectativa quanto aos carismas. Hoje, diferentemente de tempos passados, em qualquer paróquia, em qualquer pequena comunidade, em qualquer porção da Igreja a que se vá, encontramos grande quantidade de leigos atuando em diversos ministérios e serviços, e já nem conseguimos mais imaginar situação diferente dessa em nosso tempo. Também muitas formas diferentes de se viver a fé cristã, com múltiplas espiritualidades e formas de expressão, se espalham por toda a parte. Tudo isso são sinais de que estamos reencontrando os rastros de pentecostes com toda a sua explosão de força e grandeza.
A obra da Igreja se faz no mundo com o poder de Deus e com as potências humanas. Assim como numa balança, os dois pratos devem estar equilibrados. Não podemos pensar numa Igreja em que a parte sobrenatural se sobressaia a ponto de que sua porção natural seja ofuscada. Esperamos que na consumação dos tempos, a face de Deus venha a luzir sobre todos, com um brilho mais radiante do que o sol, mas não se pode esperar que seja assim agora.
Infelizmente, entretanto, temos visto que ainda estamos longe do saudável equilíbrio, pois a parte humana ainda é evidente demais enquanto a parte sobrenatural ainda não figura tal como em seus inícios. Pedro, por exemplo, curava até com sua sombra. Paulo, a quem se até um pano tocasse, este elemento se transformava em matéria à qual se apegava o poder miraculoso do Espírito Santo. Estamos reencontrando os rastros de pentecostes, mas ainda nos falta muito, porque ainda observamos muitas resistências aos dons do Espírito Santo.
As resistências se iniciam na relutância da natureza humana que se maravilha com a graça, mas que também, simultaneamente, sente-se instintivamente impulsionada à rejeição por temor ou por inadequação à sua convivência. Mas em nosso tempo, além das rejeições instintivas, pesa também sobre essa geração de cristãos, outros fatores que fortalecem a ações de resistências. Inicialmente, observamos o desconhecimento dos dons do Espírito Santo e dos seus modos de ação. Para sermos dóceis ao Espírito Santo precisamos de alguns conhecimentos sobre Ele, pois senão, não nos abrimos e não nos colocamos em expectativa quanto ao seu poder. A Bíblia nos mostra isso claramente na narrativa do encontro de Paulo, em Éfeso, com certos discípulos que haviam recebido apenas o batismo pregado por João Batista. Ele os inquiriu: Recebestes o Espírito Santo quando abraçastes a fé? Mas eles disseram que nem sequer sabiam que havia um Espírito Santo. Paulo lhes comunicou alguns conhecimentos sobre o Espírito Santo, os batizou em nome de Jesus e depois orou sobre eles. Ficaram então cheios do Espírito e começaram a falar em línguas e a profetizar (At, 19, 1-6).
Na trajetória histórica da Igreja, diversos fatores se constituíram como obstáculos que fizeram com que ela desviasse os olhos desses elementos fundamentais. Observamos que dois fatos contribuíram muito para isso, ou seja, as conversões compulsórias que trouxeram em massa as populações do Ocidente para o cristianismo, depois que ele se tornou a religião oficial do Império Romano, de forma que muitas dessas conversões não aconteceram propriamente pela conscientização provocada pela força da pregação. Outro fator foi o impacto do Montanismo, que fez abater-se sobre a Igreja uma espécie de “trauma”, o que acarretou temor aos carismas. Depois, conforme surgiam os desafios próprios de cada tempo, a Igreja se envolveu bastante com essas demandas, ora lutando para não sucumbir perante forças que a tentaram destruir, ora cuidando de robustecer suas bases estruturais e doutrinárias para se adaptar aos crescimentos que os tempos lhe apresentaram.
Conforme se apresentou acima, a nova visão proporcionada pelas ciências sobre o universo, com sua vastidão, também pode no levar a resistir aos dons espirituais, na medida em que podem trazer abalos a nossa fé e a nossa forma de relacionamento com Deus. De tal forma se agigantaram os conhecimentos científicos que, às vezes, a fé cristã pode até parecer ingênua para continuar embasando nossa visão de mundo. Parece que o Deus de nossa fé se “encolheu” perante as grandezas que passamos a vislumbrar. Assim aconteceu para muitos, mas também se sucedeu um sentido contrário, o Deus que paira acima de todas essas grandezas parece já não poder frequentar o “quartinho” de um orante, ou a “capelinha” onde se reúnem algumas almas inocentes. Já não parece simples afirmar que esse Deus imensamente poderoso seja o mesmo Deus que nos fala em oração.
Além disso, a circulação quase que instantânea de informações de toda ordem nos colocam perante todos os tipos de sofrimentos e dilemas que diariamente se abate sobre a vida humana na terra, dificultando também a oração como diálogo com Deus, quando estamos tão rodeados de sofrimentos e problemas.
Vimos ainda como fator de resistência à ação do Espírito Santo, as dificuldades de se estabelecer uma visão interpretativa dos textos bíblicos que falam sobre os dons espirituais. Parece, pois, que ainda pairam muitas interrogações sobre as formas com que se vê retornar determinados carismas na Igreja contemporânea. Assim é, por exemplo, no caso do dom das línguas, que ainda é visto com muita desconfiança por muitos cristãos que não interpretam os fundamentos bíblicos dessas práticas conforme interpreta a RCC e outros segmentos do Cristianismo atual.
As exposições que foram oferecidas estão longe de poder apresentar todas as formas de resistências que surgem ao Espírito Santo e aos seus dons. O que se fez foi apenas trazer a um cenário de discussões esse tema sob alguns enfoques específicos. Esses enfoques, apresentados como conjuntos aos quais se procurou ligar formas diversas de resistências, foram apresentados bem “por cima”, pois questões como essas podem ser muito mais aprofundadas, além do que, podem conduzir a múltiplos pontos de vista interpretativos.
Talvez alguém objete que foram evidenciadas mais as possíveis causas de resistências que as possíveis formas de solução. Creio que o fato mesmo de tornar manifestas as causas do problema já se constitui, inerentemente, num fator que induz a soluções, pois quando conhecemos as causas, já podemos gerar uma condição de combate. Além disso, tudo o que já conhecemos como formas de aprofundar e robustecer nossa fé, são meios de solucionar as resistências ao Espírito Santo, o que poderíamos mais realizar aqui seria um exercício de memória.
Reconhecendo, portanto, que as possíveis causas de resistências à ação do Espírito Santo que foram apresentadas, como também as formas de solução, estão ainda muito longe de poder esgotar o assunto, e até mesmo que outros assuntos ligados ao tema poderiam talvez ser aventados como mais importantes do que os que foram apresentados. Por essa razão, enfatizo que o tema em si é relevante para todos os cristãos, mas que os assuntos apresentados procuraram atender mais especialmente à visão que tenho sobre certas necessidades específicas da RCC. Assim, espero que possamos vislumbrar outras propostas em referência a este tema, e com contribuições superiores as que aqui prosseguem.
Antes de dar por terminado o que podemos ver aqui, quero ainda apresentar três reflexões retiradas de textos bíblicos com a intenção de que possam nos ajudar um pouco mais no aprofundamento sobre possíveis causas de resistências ao Espírito Santo e seus dons. Elas são apresentadas no final, e de forma bem resumida, porque se referem às resistências que podem ser vistas não como próprias de quem estará dando seus primeiros passos, mas seriam por quem já caminhou e retrocedeu em suas relações com os carismas.