A Igreja celebra a cada ano, iluminada pelo facho de luz da Ressurreição do Senhor, a Festa do “Bom Pastor”, olhando para aquele que dá a vida pelo seu povo, tantas vezes chamado carinhosamente de rebanho, para manter a fidelidade à imagem utilizada por Jesus. E ele, ao contar as três pequenas parábolas chamadas do Bom Pastor (Cf. Jo 10, 1-18), sofria pressões de todas as partes, tanto que, com muita força, fala de mercenários, cujos interesses não se tinham manifestados os mais puros diante do povo a ser conduzido a boas pastagens. A figura do Bom Pastor, tão admirada por nós, provocou séria divisão, com os adversários de Jesus tramando armadilhas para condená-lo (Cf. Jo 10, 19-21).
No entanto, de geração em geração os ensinamentos do Senhor conduzem os cristãos a descobrirem riquezas sempre novas nas referidas parábolas. Não podemos nos furtar a desfrutá-las, entrando na escola do Bom Pastor, para aprender com ele e dele receber as graças necessárias para o tempo em que vivemos. O contexto não é muito diferente, pois também hoje assistimos a uma crise significativa na compreensão e no exercício do poder. Parece que a humanidade tem tendência de voltar à idade da pedra, mudando apenas as armas e as técnicas, quando se vê a barbárie de gestos, palavras e atitudes em todos os níveis! Mas vamos entrar na escola!
O mercenário trabalha por dinheiro, sem laços com o rebanho, comprometendo-se apenas até o momento em que recebe seu pagamento. No rebanho de Cristo, ao invés, se entra por amor e se trabalha por amor. Não se sustenta qualquer outro argumento, até porque o que se envolve com o Senhor assume riscos que podem custar-lhe a própria vida. O amor traz consigo a exigência da gratuidade. Entra-se na Escola do Bom Pastor por atração, por liberdade que se compromete com alguém, com paixão pelos valores que caracterizam sua vida. E todas as pessoas que tiverem experimentado um autêntico encontro pessoal com Jesus Cristo estarão envolvidas nestes laços irresistíveis. Vale inclusive para analisar nosso relacionamento com a Igreja, pois quando se começa a tomar distância, analisá-la com pretensa objetividade, é sinal de que faltou este compromisso de coração, até porque com ele vem também a misericórdia, com a qual os eventuais limites das pessoas são alcançados e superados.
No rebanho de Cristo não existem apenas números, mas nomes e histórias das pessoas. Consola saber que Jesus conhece as suas ovelhas pelo nome, sabe dos caminhos que estas percorrem, pensa nelas, vai ao seu encontro, coloca-as, sobre os ombros, cuida como o Bom Samaritano de outra parábola, escreve nos céus os nomes dos que lhes são confiados. Exuberante lição, diante das muitas e tantas vezes impessoais redes de nosso tempo, com as quais as pessoas no fundo se escondem ou se expõem indevidamente. Muitos até perguntam se não pode acontecer validamente a administração de um Sacramento por meios eletrônicos! A Igreja sempre haverá de propor à humanidade o “olho no olho”, o relacionamento pessoal, a força do encontro em comunidade, que questiona, provoca positivamente e é sinal sacramental do seu Senhor, que nunca abandona seu povo, pois está conosco até o fim dos tempos.
Na Escola de Cristo se estabelece um sonho, com o qual todos são incluídos, até que haja um só rebanho e um só Pastor. A Igreja há de aprender continuamente com o seu Senhor, a pensar em quem está mais distante, nas periferias geográficas e existenciais, expressão tão cara ao Papa Francisco. O mais distante pode estar na casa do vizinho, ou dentro de nossa própria casa! Trata-se de abrir os olhos e o coração, para prestar mais atenção aos gritos ou sussurros das pessoas.
Enfim, do Senhor se aprende e se recebe a graça da liberdade. Ele dá a vida por si mesmo, pois tem o poder de entregá-la e recebê-la novamente (Cf. Jo 10, 18). Os cristãos não se encontram na Igreja por constrangimento, remorsos mal trabalhados ou apenas por tradições recebidas, ainda que estas sejam preciosas. É necessário renovar a liberdade do dom, abraçar com alegria o relacionamento com Deus e com o próximo proporcionado pela aventura da vida cristã.
Tais lições se aplicam para todas as pessoas que assumem responsabilidades em relação aos outros. Da família ao trabalho, na escola ou nas organizações sociais, mais cedo ou mais tarde todos podem de alguma forma “conduzir” os outros, e esta é uma arte que se aprende no discipulado, caminhando com Jesus.
É neste contexto que celebramos o Dia Mundial de Orações pelas Vocações Sacerdotais, no Domingo do Bom Pastor, no qual o Papa Francisco propõe para o seguimento de Jesus a experiência do Êxodo, “paradigma da vida cristã, particularmente de quem abraça uma vocação de especial dedicação ao serviço do Evangelho. Consiste numa atitude sempre renovada de conversão e transformação, em permanecer sempre em caminho, em passar da morte à vida, como celebramos em toda a liturgia: é o dinamismo pascal. Fundamentalmente, desde o chamado de Abraão até Moisés, desde o caminho de Israel peregrino no deserto até à conversão pregada pelos profetas, até à viagem missionária de Jesus que culmina na sua morte e ressurreição, a vocação é sempre aquela ação de Deus que nos faz sair da nossa situação inicial, nos liberta de todas as formas de escravidão, nos arranca da rotina e da indiferença e nos projeta para a alegria da comunhão com Deus e com os irmãos. Por isso, responder ao chamado de Deus é deixar que ele nos faça sair da nossa falsa estabilidade para nos pormos a caminho rumo a Jesus Cristo, meta primeira e última da nossa vida e da nossa felicidade…Tudo isto tem a sua raiz mais profunda no amor. De fato, a vocação cristã é, antes de mais nada, um chamado de amor que atrai e reenvia para além de si mesmo, descentraliza a pessoa, provoca um êxodo permanente do eu fechado em si mesmo para a sua libertação no dom de si e, precisamente dessa forma, para o reencontro de si mesmo, mais ainda para a descoberta de Deus‟” (Bento XVI, Carta enc. Deus caritas est, 6) – (Mensagem para o Dia Mundial de Orações pelas Vocações de 2015).