Durante este período litúrgico, aproveitaremos os sábios ensinamentos de João Paulo II para nos prepararmos para a  Festa de Pentecostes.  A cada dia desta semana, disponibilizaremos aqui uma catequese diferente sobre o Espírito Santo escrita pelo saudoso Papa.
 

L’OSSERVATORE ROMANO Nº 27 – 07/07/91

1. Entre os maiores dons, que São Paulo indica aos Coríntios como permanentes, há a esperança (cf. 1 Cor. 12,31). Ela tem um papel fundamental na vida cristã, como o têm a fé e a caridade, embora “a maior delas seja a caridade!” (cf. 1 Cor. 13,13). É claro que a esperança não deve ser entendida em sentido restrito de Dom particular ou extraordinário, concedido a alguns para o bem da comunidade, mas como Dom do Espírito Santo oferecido a cada homem, que , na fé, se abre a Cristo. A este Dom há de ser prestada uma particular atenção, especialmente no nosso tempo, em que muitos homens – também não poucos cristãos – se debatem entre a ilusão e o mito de uma capacidade infinita de auto-redenção e realização de si, e a tentação do pessimismo, na experiência das frequentes desilusões e derrotas. A esperança cristã, embora incluindo o movimento psicológico da alma, que tende para o bem árduo, todavia coloca-se no nível sobrenatural das virtudes derivadas da graça (cf. Summa Theol., III, q. 7, ª2), como Dom que Deus faz ao crente, em ordem à vida eterna. É, por conseguinte, uma virtude típica do homo viator, do homem peregrino, que embora conheça Deus e a vocação eterna mediante a fé – ainda não chegou à visão. A esperança, de certo modo, fá-lo “penetrar além do véu”, como diz a Carta aos Hebreus (cf. Heb. 6,19).

2. Essencial nesta virtude, portanto, é a dimensão escatológica. No Pentecostes, o Espírito Santo veio cumprir as promessas incluídas no anúncio da salvação, como lemos nos Atos dos Apóstolos: Jesus “tendo sido elevado pela direita de Deus, recebeu do Pai o Espírito Santo prometido e derramou o que vedes e ouvis”. (Act. 2,33). Mas este cumprimento da promessa projeta-se sobre toda a história, até aos últimos tempos. Para aqueles que possuem a fé na palavra de Deus ressoada em Cristo e pregada pelos Apóstolos, a escatologia começou a realizar-se, aliás já se pode dizer realizada no seu aspecto fundamental: a presença do Espírito Santo na história humana, que do evento do Pentecostes adquire significado e impulso vital em ordem à meta divina de cada homem e da humanidade inteira. Enquanto a esperança do Antigo Testamento tinha como fundamento a promessa da perene presença e providência de Deus, que se teria manifestado no Messias, no Novo Testamento a esperança, pela graça do Espírito Santo que está na sua origem, já comporta uma posse antecipada da glória futura. Nesta perspectiva, São Paulo afirma que o Dom do Espírito Santo é como um penhor da felicidade futura: “fostes marcados – escreve ele aos Efésios – com o selo do Espírito Santo, que tinha sido prometido; o qual é o penhor da nossa herança, enquanto esperamos a completa redenção daqueles que Deus adquiriu para o louvor da Sua glória” (Ef. 1, 13´14; cf. 4,30; 2 Cor 1,22). Pode-se dizer que na vida cristã na terra há como que uma iniciação na plena participação na glória de Deus: e é o Espírito Santo a constituir a garantia da obtenção da plenitude da vida eterna, quando por efeito da redenção forem vencidos também todos os restos do pecado, como a dor e a morte. Assim, a esperança cristã não só é uma garantia, mas uma antecipação da realidade futura.

3. A esperança acesa no cristão pelo Espírito Santo tem também uma dimensão que se diria cósmica, incluindo a terra e o céu, o experimentável e o inacessível, o conhecido e o desconhecido. “A criação – escreve São Paulo – aguarda ansiosa a revelação dos filhos de Deus; se ela foi com a esperança de ser, também ela, libertada da escravidão da corrupção para participar, livremente, da glória dos filhos de Deus. Sabemos, com efeito, que toda a criação tem gemido e sofrido as dores do parto, até ao presente. E não só ela, mas também nós próprios, que possuímos as primícias do Espírito, gememos igualmente em nós mesmos, aguardando a filiação adotiva, a libertação do nosso corpo” (cf. Rm. 8, 19´23). O cristão, consciente da vocação do homem e do destino do universo, capta o sentido daquela gestação universal e descobre que se trata da divina adoção para todos os homens, chamados a participar na glória de Deus, que se reflete sobre toda a criação. Desta adoção o cristão sabe que já possui as primícias no Espírito Santo, e portanto olha com serena esperança para o destino no mundo, embora entre as tribulações do tempo. Iluminado pela fé, ele compreende o significado e quase experimenta a verdade do seguinte texto da Carta aos Romanos, onde o Apóstolo nos assegura que “o Espírito vem em ajuda da nossa fraqueza, pois não sabemos o que devemos pedir em nossos corações, mas é o próprio Espírito que intercede por nós com gemidos inefáveis. Aquele que perscruta os corações bem sabe qual é o empenho do Espírito, pois é em conformidade com Deus que Ele intercede pelos Santos. Ora nós sabemos que Deus concorre em tudo para o bem dos que O amam, daqueles que, segundo o Seu desígnio, são eleitos” (Rom. 8,26´28).

4. Como se vê, é no sacrário da alma que vive, reza e atua o Espírito Santo, o qual faz entrar cada vez mais na perspectiva do fim último, Deus, conformando toda a nossa vida ao Seu plano salvífico. Portanto Ele próprio nos faz rezar rezando em nós, com sentimentos e palavras de filhos de Deus (cf. Rm., 8, 15,26´27); Gál. 4,6; Ef. 6,18), em íntima ligação espiritual e escatológica com Cristo, que está sentado à direita de Deus, onde intercede por nós (cf. Rm. 8,34; Heb. 7,25; 1 Jo 2,1). Assim, Ele salva-nos das ilusões e dos falsos caminhos de salvação, enquanto, movendo o coração para a finalidade autêntica da vida, nos liberta do pessimismo e do niilismo, tentações particularmente insidiosas para quem não parta de promessas de fé ou pelo menos de sincera busca de Deus. É preciso acrescentar que também o corpo está envolvido nesta dimensão de esperança, da pelo Espírito Santo á pessoa humana. Diz-no-lo ainda São Paulo: “E, se o espírito d’Aquele que ressuscitou a Jesus dos mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou a Jesus Cristo dos mortos, há de dar igualmente a vida aos vossos corpos mortais por meio do Seu Espírito, que habita em vós´” (Rom. 8,11; cf. 2 Cor, 5,5). Por agora contentemo-nos em Ter feito presente este aspecto da esperança na sua dimensão antropológica e pessoal, e também na dimensão cósmica e escatológica, sobre a qual havemos de voltar nas catequeses que, se Deus quiser, dedicaremos, na devida altura, a estes artigos fascinantes e fundamentais do Credo cristão: a ressurreição dos mortos e a vida eterna do homem todo, alma e corpo.

4. Uma última anotação: o itinerário terreno da vida tem um tempo que, se for alcançado na amizade com Deus, coincide com o primeiro momento da bem-aventurada. Mesmo que a alma tenha de sujeitar-se, naquela passagem para o Céu, à purificação das últimas escórias, mediante o purgatório, ela já está cheia de luz, de certeza, de alegria, porque sabe que pertence para sempre ao seu Deus. A esse ponto culminante, a alma é conduzida pelo Espírito Santo, autor e doador não só da “primeira graça” da justificação e da graça santificante ao longo da vida terrena inteira, mas também da graça glorificante in hora mortis. É a graça da perseverança final, segundo a doutrina do Concílio de Orange (cf. Denz. 183, 199) e do Concílio de Trento (cf. Denz 806, 809, 832), fundada no ensinamento do Apóstolo, segundo o qual compete a Deus produzir “o querer e o operar” o bem (Fil. 2,13), e o homem deve rezar para obter a graça de fazer o bem até o fim (cf. Rom. 14,4; 1 Cor. 10, 12; Mt. 10,22,24,13).

5. As palavras do Apóstolo Paulo ensinam-nos a ver no Dom da Terceira Pessoa divina a garantia do cumprimento da nossa aspiração à salvação: “A esperança não nos deixa confundidos, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações, pelo Espírito Santo, que nos foi concedido” (Rom. 5,5). E, portanto: “Quem poderá separar-se do amor de Cristo?”. A resposta é decidida; nada “poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, Nosso Senhor” (Rom. 8,35.39). Portanto, o voto de Paulo é por que abundemos “na esperança, pela virtude do Espírito Santo” (Rom. 15, 13). Radica aqui o otimismo cristão: otimismo sobre o destino do mundo, sobre a possibilidade de salvação do homem em todos os tempos, mesmo nos mais difíceis e duros, sobre o desenvolvimento da história rumo à glorificação perfeita de Cristo (“Ele glorificar´Me´á”: Jo. 16, 14), e a participação plena dos crentes na glória dos filhos de Deus. Com esta perspectiva, o cristão pode ter a cabeça levantada e associar-se à invocação que, segundo o Apocalipse, é o suspiro mais profundo, suscitado na história pelo Espírito Santo: “O Espírito e a Esposa dizem: “Vem!” (Ap. 22, 17). E eis o convite final do Apocalipse e do Novo Testamento: “aquele que ouve diga: “Vem”. Aquele que tem sede, venha! Aquele que o deseja, receba gratuitamente a água da vida … Vem, Senhor Jesus!”. (Ap. 22, 17,20).

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