Após a multiplicação dos pães, o Evangelho de São João nos deixou a magnífica pregação de Jesus a respeito do Pão da Vida (Jo 6, 24-69), que conduz ao anúncio da Eucaristia – “O Pão que eu darei é minha carne para a vida do mundo” – e à profissão de fé feita por Pedro, em nome de todos os discípulos. Estamos diante de uma virada de página no caminho percorrido pelos que seguem o Senhor, aos quais cabe uma definição no rumo da própria existência e à consciência e prática da vida eucarística, centro de toda a vida do cristão.

Qualquer pessoa quer ter a vida, começando por defendê-la com todas as forças diante das muitas ameaças. Olha-se para o futuro, apega-se à vida, o medo da sombra da morte espreita e mesmo a promessa da vida eterna, sonho de todos e garantia dada pela fé encontra resistência quando tal assunto é colocado em pauta. Alimentar-se e garantir o sustento necessário para o corpo humano é um dos desafios e todos os tempos, inclusive o nosso. Sabemos como o assunto “segurança alimentar” corresponde ao mínimo que se pode esperar daqueles que assumem responsabilidades governativas. E o escândalo do desperdício de alimentos, ao lado da fome existente em tantas fatias da população mundial significa um dos escândalos que envergonham nossa geração.

Uma multidão vai atrás de Jesus, ele multiplica um pouco de alimento colocado à disposição, as pessoas vão atrás dele, pois parece estar assim resolvida a questão fundamental do sustento do corpo. Ficar satisfeito, saciado, não é pouca coisa para ninguém! E na cabeça de muitos, sem ter que trabalhar,  melhor  ainda!  Sabemos  que  uma  e  outras  vezes  houve  gente querendo  fazer  de  Jesus  um  rei  segundo  os  critérios  humanos,  projeto rejeitado por ele com toda a força. Nele se encontra a solução para os problemas humanos, mas não um caminho cômodo do milagre fácil, como se Deus ficasse refém das necessidades humanas. Deus não pode ser confundido com uma espécie de agência destinada a satisfazer sonhos de consumo. Ele é Senhor de nossas vidas e é para nós, como afirmou em outra ocasião, Caminho, Verdade e Vida! Diante de seu Evangelho, há que se converter e mudar os critérios para viver e a nossa prática de relacionamento com os outros, o que suscita a partilha dos bens, a atenção aos mais pobres, a prática da justiça.

O mesmo Senhor que realizou o sinal da multiplicação dos pães agora se dirige à multidão que a ele acorre. Com os que o ouviram, também a nós cabe dar um novo passo: “‘Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até à vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará. Pois a este, Deus Pai o assinalou com seu selo’. Perguntaram então: ‘Que devemos fazer para praticar as obras de Deus?’ Jesus respondeu: ‘A obra de Deus é que acrediteis naquele que ele enviou’” (Jo 6,27-29).

A obra de Deus é a fé em Jesus Cristo! Jesus multiplicou os pães e os peixes, acolheu a multidão que o procurou, agora oferece para a vida do mundo sua pessoa e sua palavra: “‘O pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao mundo”. Eles então pediram: ‘Senhor, dá-nos sempre desse pão!’ Jesus lhes disse: ‘Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não terá mais fome, e quem crê em mim nunca mais terá sede’” (Jo 6, 33-34).

Acolher Jesus Cristo como senhor de nossas vidas é a decisão a ser assumida de novo, mesmo que sejamos homens e mulheres de fé e que pratiquemos esta fé no cotidiano; Jesus Cristo não venha a ser considerado como uma “figura repetida”, ou quem sabe um sábio portador de mensagens bonitas. Se ele é acolhido como quem tem palavras de vida eterna (Jo 6,68), nosso modo de agir e de tratar as pessoas vai se transformar. Nasce uma nova sensibilidade diante do próximo, uma abertura às suas necessidades, a prontidão para a prática da caridade e da solidariedade. Ninguém passará em vão ao nosso lado.

 

 

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL