Quaresma é entrar com Jesus no deserto! Os quarenta dias e quarenta noites que Jesus ficou sem comer e sofrendo no deserto (Cf. Mt 4,2) foram para assumir as tentações que o povo de Israel passou durante quarenta anos no deserto e vencê-las (Cf. Dt 8,2). Qual a razão dessa provação? A continuação do livro do Deuteronômio explica:
“Lembra-te de todo o caminho por onde o Senhor te conduziu durante esses quarenta anos no deserto, para humilhar-te e provar-te, e para conhecer os sentimentos de teu coração, e saber se observarias ou não os seus mandamentos. Humilhou-te com a fome; deu-te por sustento o maná, que não conhecias nem tinham conhecido os teus pais, para ensinar-te que o homem não vive só de pão, mas de tudo o que sai da boca do Senhor”
Quaresma é oportunidade de autoconhecimento
Entramos no deserto para que possamos conhecer os sentimentos do nosso coração, uma jornada de autoconhecimento para não mais pecar e ter a Palavra de Deus como nosso alimento. Jesus como não experimentou o pecado (Cf. Hb 4,15), porém se fez pecado por nós e assumiu as tentações para vencê-las e nos ensinar o caminho da salvação. “Aquele que não conheceu o pecado, Deus o fez pecado por nós, para que nele nós nos tornássemos justiça de Deus” (2 Cor 5,21).
Entrar na jornada quaresmal é buscar conhecer a nós mesmos em Deus para não mais pecar e nos unirmos a Deus através da sua Palavra que se fez carne. Tudo na graça de Deus.
“Na Quarta-feira de abertura da Quaresma, que é por toda a parte dia de jejum, faz-se a imposição das cinzas” (Normas Universais para o Ano litúrgico e calendário, Missal Romano, n. 29). Com a Quarta-Feira de Cinzas, abre-se para nós o deserto quaresmal para chegarmos à Paixão, Morte e Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, no Domingo de Páscoa. Esse dia ferial tem precedência máxima no calendário litúrgico".
Ações práticas para este dia
Primeiramente, esse é um dia de jejum e abstinência de carne, obrigatório. É a prática de piedade que nos recorda que o Noivo está longe de nós (Lc 5,35) por causa de nossa pecaminosidade, porém, fazer penitência corporal nos lembra que somos frágeis, criaturas de Deus e totalmente dependentes d’Ele. Queremos progredir no conhecimento de Jesus Cristo (Oração Coleta do Primeiro Domingo da Quaresma).
É importante, como vai dizer São Bento em sua Regra, que nos aprofundemos em uma leitura espiritual nos tempos quaresmais, e é bom já começar na Quarta-Feira de Cinzas. Também intensificar nossas orações no intuito de obter um crescimento espiritual mais aprofundado (Regra de São Bento, capítulo 48).
Mas qual o significado da imposição das cinzas sobre as cabeças?
Quando Abraão vai interceder perante Deus pela salvação de Sodoma, e para expressar a sua condição de criatura, ele diz: “Abraão continuou: “Não leveis a mal, se ainda ouso falar ao meu Senhor, embora seja eu pó e cinza” (Gn 18,27). Ester, diante da perseguição de Amã, faz penitência se cobrindo de cinzas: “Depôs suas vestes suntuosas e vestiu-se com roupas de aflição e de luto. No lugar de essências preciosas, cobriu a cabeça com cinzas e poeira. Afligiu duramente seu corpo e por todos os lugares onde costumava alegrar-se espalhou os cabelos que se arrancava” (Est 14,2). E assim se apresenta diante do Senhor numa profunda intercessão pela salvação do seu povo.
Na abertura da Quaresma o sacerdote, ao impor as cinzas, diz uma das duas frases: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Cf. Mc 1,15) ou “Lembra-te que és pó e ao pó, e ao pó hás de voltar (Cf. Gn 3,19). Nós assumimos que somos criaturas de Deus, somos frágeis, somos vasos de barro que contêm o grande tesouro da graça de Deus (Cf. 2 Cor 4,7). Fomos criados como um boneco de barro que somente pode ter vida pelo sopro da boca de Deus (Cf. Gn 2,7). Mas lembrar que somos pó e lamentar sobre os nossos pecados não basta! É preciso a transformação do nosso coração pela conversão ao Evangelho. Não basta somente lamentações estéreis, mas uma intenção plena de transformação de vida, de crescimento, de largar a morte e procurar a vida (Cf. Jo 10,10), uma vida abundante que somente o Senhor pode nos dar.
Origem e propósito das cinzas
As cinzas que serão impostas sobre nós são feitas com os ramos do Domingo de Ramos e da Paixão do Senhor do ano anterior. Somos ramos que louvam a Deus, porém que se tornarão pó. Nossa vida somente tem valor, o ser cinza somente tem sentido, se vivemos para louvar a Deus. Nossa vida deve ser um louvor ao Senhor, um culto espiritual que proclamamos com nosso corpo, com nossa vida (Rm 12,1). Porém, é fragilidade que louva, e as cinzas vem nos lembrar disso.
Reconheça-se pó e cinzas
Hoje, temos uma tendência à prepotência, a acharmos que somos deuses pela nossa própria força, como foi a tentação da Serpente no Paraíso terrestre (Cf. Gn 3,5). Temos a certeza de que temos a chave da vida em nossas próprias mãos, mas é o Senhor quem nos dá a vida. Reconhecer-se pó e cinza, é reconhecer a nossa própria identidade de criaturas de Deus que necessitam da salvação do Senhor Jesus. No Antigo Testamento, não era apenas um pouco de cinza na testa, mas cobria-se de cinzas, somos frágeis.
Que o Senhor nos proporcione um deserto quaresmal santo!
Padre Micael de Moraes, Sjs
Pároco da Paróquia Nossa Senhora de Pentecostes
e São Francisco de Assis