Reconstruir as muralhas entre o limiar da concupiscência e do pecado

Dando continuidade à reflexão sobre “Reconstruir as muralhas entre o limiar da concupiscência e do pecado”, da edição de abril/2011, queremos nesta edição refletir um pouco mais sobre este tema. Oramos para que, a partir desta reflexão, a luz do Senhor seja colocada sobre as concupiscências da nossa vida para que possamos enxergar com mais clareza onde elas nascem para que possamos enfrentá-las e vencê-las com as armas que o Senhor Jesus nos apresenta em Sua Palavra.
 
Refletiremos também que, observando atentamente a queda de tantos homens de Deus no decorrer de toda a Bíblia, chegaremos à conclusão que a concupiscência, este desejo interno e desordenado por alguma coisa que ultrapassa os limites estabelecidos por Deus, foi o princípio de todo o transtorno ocasionado pelo pecado e suas consequências em nosso mundo. 

Conforme nos ensina o Concílio de Trento: o Batismo destrói tudo que constitui a verdadeira e própria essência do pecado, ou seja, a perda da graça santificante, da amizade divina, enquanto a concupiscência, mesmo depois do Batismo, ainda perdura.
Por que razão?
Perdura ad agonem, para o combate. De modo que, aparados pela graça de Cristo, aqueles que lhe resistem não sofrem nenhum detrimento; pelo contrário, são coroados (Sess. V, cân. 5). Observa com razão São Francisco de Sales que não se pode impedir a concupiscência de conceber o pecado, mas pode-se impedi-la de dá-lo à luz e de praticá-lo.

Olhando primeiramente de uma forma mais abrangente, podemos dizer conforme a Palavra de Deus, que os nossos inimigos espirituais são a concupiscência, o mundo e o demônio: a concupiscência é um inimigo interior, que levamos sempre com nós mesmos; o mundo e o demônio são inimigos exteriores, que avivam o fogo da concupiscência.

Conforme nos descreve São João, em seu celebre texto de I João 2,16-17: “Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a soberba da vida – não procede do Pai, mas do mundo. O mundo passa com as suas concupiscências, mas quem cumpre a vontade de Deus permanece eternamente”, podemos distinguir claramente três espécies de concupiscências, ou seja, três desejos fortes, três propensões ou inclinações acentuadas. 

Existem três desejos básicos que Deus colocou no homem. Eva foi tentada nestes três desejos básicos: “O desejo de ter prazer nas coisas, o desejo de obter coisas e o desejo de realizar coisas” .
“Vendo a mulher que a árvore era boa para se comer (1), agradável aos olhos (2), e árvore desejável para dar entendimento (3)…” (Gn 3:6) Porque tudo o que há no mundo – a concupiscência da carne(1), a concupiscência dos olhos(2) e a soberba da vida(3) – não procede do Pai, mas do mundo. (I João 2,16)

1. Concupiscência da carne:
É expresso nas palavras: “A mulher, vendo que o fruto da árvore era bom para comer” (Gênesis 3,6). Diz respeito ao desejo de “Obter satisfação”. É um desejo legítimo, dado por Deus. Tem a ver com as
nossas necessidades como ser humano. Ex: apetite alimentar, sono, prazer sexual, aceitação (conforto emocional), etc.

A tentação reside numa instigação feita ao homem para que ultrapasse os limites estabelecidos pela palavra de Deus. O resultado seria glutonaria, bebedice, preguiça, fornicação, adultério, lascívia, manipulação, etc. Aqui se aplica o conceito de carnalidade, que nada mais é que a idolatria do desejo de obter satisfação.

2. Concupiscência dos olhos:
É apresentado nas palavras: ”… de agradável aspecto…” (Gênesis 3,6b). Este é um outro desejo legítimo concedido por Deus,  de se “adquirir coisas”, o desejo de aquisição, relacionado com necessidades exteriores ao nosso corpo, coisas que almejamos conseguir. Existe um toque muito forte de realização neste desejo. Nós podemos querer ter coisas, mas não devemos querer nada que Deus também não queira para nós. Só na vontade de Deus, vamos experimentar o que verdadeiramente é bom, perfeito e agradável (Romanos 12,2). Por isto é tão cabível a admoestação de Paulo: “Não sejais imprudentes, mas procurai compreender qual seja a vontade de Deus”.  (Efésios 5,17).

Quando queremos muito, despertamos em nós uma ambição que pode ser implacável e destrutiva. E este desejo pode crescer tanto, vindo a dominar-nos através da inveja, ciúmes, roubo, homicídio, etc.

3. Soberba da vida
Expresso nas palavras seguintes: “… e mui apropriado para abrir a inteligência…” (Gênesis 3,6c). Este é mais um desejo legítimo, concedido ao homem por Deus, de saber e fazer. É importante querermos realizar alguma coisa, adquirir conhecimento, ser alguém, ter criatividade. Mas, aqui também precisamos nos afinar com a palavra de Deus.

A tentação reside no fato de abandonarmos os planos de Deus e agirmos por conta própria. Alguns pecados nesta área seriam: auto-suficiência, auto-afirmação, orgulho, superioridade, competição, prepotência, etc.

É muito comum vermos pessoas fazendo a obra de Deus sem Deus, por causa disto.

É indispensável desenvolvermos uma habilidade espiritual de resistir à tentação. Quanto mais resistimos à tentação mais imunidade adquirimos em relação àquela área. A mente é o campo de batalha, por isto precisamos bombardear os pensamentos de tentação com verdades vivas da Palavra de Deus como Jesus fez com o diabo.

Para isto acontecer na prática, é indispensável uma vida de intimidade com Deus diária. Um relacionamento responsável com Deus na Sua Palavra (Lectio Divina), na Oração Pessoal (diária), na Confissão (mensal), na Comunhão frequente, na Adoração ao Santíssimo Sacramento, no jejum às sextas-feiras conforme pede a Igreja e na Oração do Santo Terço (diária). Tudo isto redunda numa vida plena de discernimento espiritual e domínio próprio.

Exemplos de Danos Causados Pela Concupiscência
A concupiscência pode estar presente praticamente em todas as áreas da vida do homem. Cada um será tentado pela sua própria concupiscência. Vejamos alguns exemplos bíblicos:
Vida sexual: Davi e Bateseba – 2 Samuel 11,1-3. A cobiça levou Davi a cometer dois grandes erros: adultério e homicídio. Essa é uma área da nossa vida que exige muita atenção, pois, se valorizarmos a concupiscência nesta área, acabaremos sendo dominados pela atração física e até mesmo pela obsessão emocional, podendo acarretar sérios problemas para a nossa vida.

Podemos ver outros exemplos de erros cometidos por causa da concupiscência nesta área através de:  Amnom e Tamar –  II Samuel 13,1-2;  Salomão e suas mulheres – I Reis 11,1-4. Vale a pena acatar a orientação de Salomão em Provérbios 6,23-25, “… porque o preceito é uma tocha, o ensinamento é uma luz, a correção e a disciplina são o caminho da vida, para te preservar da mulher corrupta e da língua lisonjeira da estranha. Não cobices sua formosura em teu coração, não te deixes prender por seus olhares…”;

Vida material: Deus quer que prosperemos em tudo, mas o problema é que o homem tende a aplicar o seu coração nas suas conquistas e riquezas e isso tem trazido prejuízo a muita gente. Vivemos num mundo materialista onde se julga a vida cristã pelo “ter” e não mais pelo “ser” e isso tem feito muitas pessoas se afastarem do verdadeiro sentido do Evangelho. Ser dominado pela concupiscência nesta área material acarreta uma tremenda sequidão espiritual e faz com que as pessoas sejam dominadas pela ganância e avareza (que são uma idolatria). A Bíblia nos diz que o amor ao dinheiro é a raiz de toda espécie de males – I Timóteo 6,10. E por isso somos orientados a não colocarmos o nosso coração nas nossas riquezas e conquistas terrenas – Salmos 62,10. Vejamos alguns exemplos bíblicos de pessoas que se deram mal por valorizar a concupiscência material em seu coração:

– Judas Iscariotes – Mateus 26,14-16
– Geazi – 2 Reis 5,20
– Acã – Josué 7,20-21

Fama e Status Pessoal e Religioso
A concupiscência por vanglórias e reconhecimento humano nos traz uma visão errônea do reino de Deus. A cobiça valorizada nesta área acarretará certas dissensões e contendas em meio aos irmãos e segundo a Bíblia em Provérbios 6,19 é o que Deus abomina. Analisemos algumas pessoas que agiram mal devido a esse erro de valorizar a concupiscência por algo pessoal envolvendo o reino de Deus:

– Corá – Números 16.1,3.
– Religiosos da época de Jesus – Mateus 27,17-18.

A cobiça nesta área trará consigo a soberba e que por sua vez trará a queda – Provérbios 16,18.

Relacionamento pessoal – Caim e Abel – Gênesis 4.6-7.
Essa passagem bíblica é muito edificante para a nossa vida. Vemos que Deus advertiu Caim antes dele tomar sua desastrosa atitude de matar seu irmão.

Também vemos em Provérbios 16,29-30. “O homem violento persuade o seu companheiro e guia-o por caminho não bom. Fecha os olhos para imaginar perversidades; mordendo os lábios, efetua o mal.”

Conclusão:
Devemos de todas as formas possíveis, vencer as concupiscências para que possamos estar na presença de Deus e fazendo aquilo que é agradável ao Senhor. E para isso não podemos ignorar o perigo que a concupiscência nos traz. Devemos guardar o nosso coração de ser alimentado por aquilo que ultrapassa o limite estabelecido por Deus em Sua Palavra, devemos cultivar um espírito de oração, de comunhão fraterna com os irmãos, cuidar com aquilo que se lê, ouve e vê na TV e na Internet, ouve no rádio, e o que se permite habitar em sua mente. Não é fácil. Requer uma batalha. Mas Deus pode e dará a vitória. Que venhamos a avaliar a nossa vida e fechar todas as portas e brechas que o inimigo esteja aproveitando para semear suas artimanhas e ciladas contra a nossa vida. Façamos assim e certamente venceremos a cada dia está árdua batalha contra o pecado.