Uma atribuição dos sacerdotes é ajudar os fiéis a viverem a novidade da graça, o que distingue o cristianismo das outras religiões. Foi o que afirmou nesta sexta-feira o padre Raniero Cantalamessa OFMCap, em sua primeira pregação de Quaresma perante o Papa e a Cúria Romana.

Dando prosseguimento ao tema iniciado em suas pregações de Advento, o frade franciscano enfocou o sacerdote como dispensador dos mistérios de Deus.

Refletindo à luz de 1 Coríntios 4, 1, o pregador da Casa Pontifícia abordou duas tarefas essenciais do sacerdote no Novo Testamento: o anúncio do Evangelho e a administração dos sacramentos.

“Por muitos séculos, a função do sacerdote esteve reduzida quase exclusivamente ao seu papel de liturgo e de sacrificador: ‘oferecer sacrifícos e perdoar os pecados’. Foi com o Concílio Vaticano II que se evidenciou, para além da função cultual, a função de evangelizador.”

Aprofundando então na novidade substancial do ministério da Nova Aliança a respeito da Antiga, o capuchinho chamou a atenção para a oposição entre letra e Espírito, de que falava o apóstolo Paulo. “A letra é, portanto, a lei mosaica escrita sobre tábuas de pedra e, por extensão, toda lei positiva exterior ao homem; o Espírito é a lei interior, escrita sobre os corações”.

E esta “lei nova, ou do Espírito, não é, no sentido estrito, aquela proferida por Jesus no monte das bem-aventuranças, mas sim aquela infundida por ele nos corações em Pentecostes”.

“Os apóstolos são a prova viva disso”, porque “haviam escutado da viva voz de Jesus todos os preceitos evangélicos” e “somente após a vinda do Espírito é que podemos vê-los completamente esquecidos de si mesmos e comprometidos unicamente em proclamar as grandes obras de Deus”.

“Mas como age, concretamente, esta lei nova que é o Espírito?”, perguntou Cantalamessa. “Age através do amor! A lei nova nada mais é do que aquilo a que Cristo chamou de ‘um mandamento novo’”.

“O Espírito Santo escreveu a nova lei em nossos corações, infundindo nestes o amor. Este amor é o amor com o qual Deus nos ama e com o qual, contemporaneamente, faz com que nós o amemos e nos amemos uns aos outros. É uma capacidade nova de amar.”

“O amor, portanto, é uma lei, ‘a lei do Espírito’, no sentido de que cria no cristão um dinamismo que o leva a realizar tudo o que Deus deseja, espontaneamente, porque fez de sua a vontade de Deus e ama tudo o que Deus ama.”

Segundo o pregador da Casa Pontifícia, Jesus “afirma não ter vindo para ‘abolir a lei’, mas ‘para dar-lhe cumprimento’. E qual é o ‘cumprimento’ da lei? O pleno cumprimento da lei é o amor. Do mandamento do amor – diz Jesus – dependem toda a lei e os profetas”.

Padre Cantalamessa abordou então a atualidade do pensamento de São Paulo e Santo Agostinho, segundo os quais “para salvar-se, não basta a natureza, o livre arbítrio ou o direcionamento da lei: é necessária a graça, isto é, é necessário Cristo”. Isso “é exatamente o que distingue hoje o cristianismo das outras religiões”.

“As formas se alteraram, mas a substância é a mesma. ‘Obra da lei’, ou obra do homem, é qualquer prática humana, quando a essa se condiciona a própria salvação, seja esta concebida como comunhão com Deus, seja como comunhão consigo mesmo e com as energias do universo. O pressuposto é o mesmo: Deus não se doa, é conquistado!”

“Cada religião humana ou filosofia religiosa começa dizendo ao homem como proceder para ser salvo: os deveres, as obras – sejam obras exteriores ou caminhos especulativos em direção ao próprio interior – o Tudo ou o Nada.”

O cristianismo, por sua vez – prossegue o pregador –, “não começa dizendo ao homem como proceder, mas comunicando o que Deus fez por nós. Jesus não começou a pregar dizendo ‘Convertam-se e creiam no Evangelho para que o Reino venha até vós’; ao contrário, começou dizendo: ‘O Reino de Deus está entre vós: convertei-vos e crede no Evangelho’. Não primeiro a conversão e depois a salvação, mas primeiro a salvação e depois a conversão”.

“Não é difícil explicar o porquê da dificuldade em admitir a ideia de graça e de sua recusa instintiva por parte do homem moderno. Salvar-se ‘pela graça’ implica em reconhecer a dependência de cada um e isso se mostra muito difícil”, afirmou.

“A rejeição do cristianismo em certos níveis de nossa cultura ocidental, quando não é rejeição à Igreja e aos cristãos, é rejeição à própria graça.”

Daí a tarefa dos sacerdotes “de ajudar os irmãos a viver a novidade da graça, que é como dizer a novidade de Cristo”.

Isso “não significa falar sempre e só do Cristo do kerygma ou do Cristo do dogma, quer dizer, transformar as pregações em lições de cristologia. Significa ‘recapitular tudo em Cristo’ (Ef 1,10), fundar todo dever nele, fazer servir cada coisa ao objetivo de levar os homens ao ‘sublime conhecimento de Cristo Jesus Senhor nosso’ (Fil 3, 8)”.
 

Fonte: Zenit