O Papa Francisco mais uma vez surpreendeu a Igreja e o Mundo, publicando a Exortação Apostólica chamada “Gaudete et Exsultate” (“Alegrai-vos e exultai”). Num tempo em que se espalha um nivelamento “por baixo” na prática da virtude, com relaxamento na busca de valores autênticos, o Papa propõe nada menos do que a santidade, que São João Paulo II chamou de medida alta da vida cristã. Sabemos que existe um “outro lado da medalha”, pois justamente em nosso tempo surgem pessoas e grupos desejosos de uma vida segundo o Evangelho. São incontáveis os jovens, para citá-los em tempo de tanto relevo à sua participação na Igreja e na Sociedade, que desejam buscar as coisas “do alto” (Cf. Cl 3,1-4), tanto que a preparação do Sínodo dos Bispos sobre a Juventude envolve gente do mundo inteiro, que quer contribuir para o discernimento do chamado de Deus e ajudar a juventude a dar passos decididos e firmes.

 

O Papa abre sua Exortação Apostólica com palavras muito fortes: “‘Alegrai-vos e exultai’ (Mt 5, 12), diz Jesus a quantos são perseguidos ou humilhados por causa dele. O Senhor pede tudo e, em troca, oferece a vida verdadeira, a felicidade para a qual fomos criados. Quer-nos santos e espera que não nos resignemos com uma vida medíocre, superficial e indecisa. Com efeito, o chamado à santidade está patente, de várias maneiras, desde as primeiras páginas da Bíblia; a Abraão, o Senhor propô-la nestes termos: ‘anda na minha presença e sê perfeito'” (Gn 17,1).

 

E alarga o convite à santidade: “Gosto de ver a santidade no povo paciente de Deus: nos pais que criam os seus filhos com tanto amor, nos homens e mulheres que trabalham a fim de trazer o pão para casa, nos doentes, nas consagradas idosas que continuam a sorrir. Nesta constância de continuar a caminhar dia após dia, vejo a santidade da Igreja militante. Esta é muitas vezes a santidade ‘ao pé da porta’, daqueles que vivem perto de nós e são um reflexo da presença de Deus, ou – por outras palavras – da ‘classe média da santidade'” (Gaudete et exsultate,7).

 

O Papa inicia então uma reflexão muito profunda, que desejo apenas apresentar em seus tópicos, para depois me deter em um deles. A linguagem é quase coloquial, conversando com os leitores. Começa com o chamado à santidade, dirigido a todos, recordando os santos que nos acompanham com seu exemplo e oração, para envolver os destinatários da Exortação. Mais adiante, chega a um convite direto: “Também tu precisas de conceber a totalidade da tua vida como uma missão. Tenta fazê-lo, escutando a Deus na oração e identificando os sinais que ele te dá. Pede sempre ao Espírito Santo o que espera Jesus de ti em cada momento da tua vida e em cada opção que tenhas de tomar, para discernir o lugar que isso ocupa na tua missão. E permite-lhe plasmar em ti aquele mistério pessoal que possa refletir Jesus Cristo no mundo de hoje” (Gaudete et Exsultate, 23). Papa Francisco alerta para a  presença  de  desvios doutrinais antigos que se fazem de novo presentes e abre um grande horizonte para a compreensão das bem-aventuranças, retomando, após cada uma delas, um refrão: “Isto é Santidade”. No capítulo final, amplia a reflexão.

 

Entretanto, o quarto capítulo da Exortação Apostólica aponta algumas características da santidade no mundo atual (Números 112 a 153), que aqui apresentamos em grandes linhas. A primeira é permanecer centrado, firme em Deus que ama e sustenta. A partir desta firmeza interior, é possível aguentar, suportar as contrariedades, as vicissitudes da vida e também as agressões dos outros, as suas infidelidades e defeitos. Segunda característica necessária para os dias de hoje é a ousadia, é impulso evangelizador que deixa uma marca neste mundo. Ousadia, entusiasmo, falar com liberdade, ardor apostólico. Entretanto, e esta é a terceira proposta do Papa, haveremos de viver a santidade em Comunidade. Diz ele: “É muito difícil lutar contra a própria concupiscência e contra as ciladas e tentações do demônio e do mundo egoísta, se estivermos isolados. A sedução com que nos bombardeiam é tal que, se estivermos demasiado sozinhos, facilmente perdemos o sentido da realidade, a clareza interior, e sucumbimos. A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois”. A quarta proposta vai ao coração da santidade: a santidade é feita de abertura habitual à transcendência, que se expressa na oração e na adoração. O santo é uma pessoa com espírito orante, que tem necessidade de comunicar com Deus. De propósito, fica para o final a quinta proposta, o convite à alegria e ao bom humor. Para o Papa Francisco, o cristão é capaz de viver com alegria e sentido de humor. Sem perder o realismo, ilumina os outros com um espírito positivo e rico de esperança. Ser cristão é “alegria no Espírito Santo” (Rm 14,17).

 

A certa altura, o Papa sugere, e nós o fazemos com ele, uma oração feita por São Tomás Morus, que pode acompanhar nossa resposta ao convite à santidade: “Senhor, dá-me uma boa digestão e também alguma coisa para digerir. Dá-me a saúde do corpo e o bom humor necessário para mantê-la. Dá-me, Senhor, uma alma simples que saiba fazer tesouro de tudo aquilo que é bom e não se assuste diante do mal, mas ao contrário encontre sempre o modo de colocar as coisas no lugar. Dá-me uma alma que não conheça o tédio, os resmungos, os suspiros, os lamentos e não permita que me crucifique excessivamente por aquela coisa muito obstrutiva que se chama eu. Dá-me, Senhor, o senso do bom humor. Concede-me a graça de compreender as brincadeiras para descobrir na vida um pouco de alegria e também possa comunicá-la ao soutros”.

 

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Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará
Assessor Eclesiástico da RCCBRASIL