Sempre em tempo de perseguição na vida da Igreja, quem permanece fiel à fé torna-se exemplo e sinal para as gerações de seu tempo e as vindouras. Assim aconteceu com muitos santos, dos quais hoje celebramos São Lourenço, o patrono dos Diáconos. No momento de sua morte, Lourenço se demonstrou corajoso, fiel a Deus e bem humorado. Bem humorado? Fazer piada na hora da morte ou é porque não deixou de ser quem ele era, nem nesse momento crucial, ou a paixão por Jesus e pela Igreja o deixou muito entusiasmado. Pode-se dizer que aconteceu um pouco das duas coisas. Dá até para se perguntar se na nossa vida de santidade estamos dispostos a dar a vida com bom humor. Veremos como foi o feliz Diácono São Lourenço.

Lourenço de Huesca ou São Lourenço, de origem espanhola, nasceu provavelmente em 225 e seu martírio se deu no dia 10 de Agosto de 258. Foi levado a Roma pelo Papa Sisto II e por ele foi designado como o primeiro da comunidade dos diáconos de Roma. Com isso, tinha o encargo de cuidar dos bens da Igreja e da distribuição de esmolas aos pobres. Por volta do ano 257, o Imperador romano Valeriano deu início a um novo período de perseguições contra os cristãos e uma das primeiras vítimas foi o sumo pontífice, o mesmo Papa Sisto II, que foi preso e conduzido ao martírio.

Segundo as tradições, quando o Papa Sisto II se dirigia ao local da execução, São Lourenço ia junto a ele e chorava. “Meu pai, para onde vai sem vosso filho? Para onde vai o Santo Padre, sem o vosso diácono? Jamais oferecestes o sacrifício, sem que eu vos acolitasse?”. O Papa comovido com estas palavras de dedicação filial, respondeu: “Não pense que te abandono, meu filho, pois dentro de três dias me seguirá”. Após a execução do Papa, o Imperador ameaçou a Igreja para entregar as suas riquezas no prazo de 3 dias. Passados os três dias, São Lourenço reuniu pobres, viúvas, órfãos, cegos, surdos, mudos, paralíticos, peregrinos e desamparados, para que estivessem todos diante do Imperador. Depois, exclamou a seguinte frase que lhe valeu a morte: “Eis aqui os tesouros da Igreja; são as almas prediletas do Senhor que valem muito mais que pedras preciosas!”. A esta aguda e sábia resposta, fazem eco as últimas palavras do mártir, que colocado sobre um braseiro ardente e já vermelho como um tição de fogo, teria encontrado coragem de fazer uma piada: “podem me virar agora, pois este lado já está bem assado”. Seus últimos momentos foram de louvor e adoração. O seu culto se alastrou rapidamente na Igreja. O Imperador Constantino, já no séc IV, erigiu uma Basílica dedicada a São Lourenço, no Campo Verano junto à Via Tiburtina, onde se encontra seu sepulcro.

A força que teve o testemunho deste mártir foi comentada por alguns santos: São Leão expressou seu martírio assim: “As chamas não puderam vencer a caridade de Cristo; e o fogo que queimava por fora foi mais fraco do que aquele que lhe ardia por dentro”; São Prudêncio era da opinião que a conversão de Roma, foi fruto do martírio de São Lourenço; Santo Agostinho, no sermão feito no dia de São Lourenço, explanou sobre como a oferta de vida de São Lourenço foi como a de Cristo por nós: “O santo apóstolo João expôs claramente o mistério da ceia ao dizer: Como Cristo entregou sua vida por nós, também nós devemos entregar as nossas pelos irmãos (1Jo 3,16). São Lourenço, irmãos, entendeu isto; entendeu e fez; e da mesmíssima forma como recebeu daquela mesa, assim a preparou. Amou a Cristo em sua vida, imitou-o em sua morte”.

Esse é o chamado de Deus a cada um de nós: amar Cristo em nossa vida e imitá-Lo em nossa morte! Neste mesmo sermão, Santo Agostinho demonstra que no jardim da santidade existem todo tipo de vocação, não só os diáconos ou só os mártires: “Tem, irmãos, tem o jardim do Senhor não apenas rosas dos mártires; tem também lírios das virgens, heras dos casados, violetas das viúvas. Absolutamente ninguém, irmãos, seja quem for, desespere de sua vocação; por todos morreu Cristo. Com toda a verdade, dele se escreveu: Que quer salvos todos os homens, e que cheguem ao conhecimento da verdade (1Tm 2,4).” (Sermo 304, 1-4: PL 38,1395-1397 – Séc. V)

Lendo esses testemunhos, vendo a vida dos santos, desejando e ganhando o céu… deveríamos, a partir daí, caminhar para tal, buscar com afinco a santidade. Mas o que muitas vezes acontece é o ceder à tentação de pensar que a santidade é algo muito distante ou impossível ou, ainda, acreditar que é contraditório ser santo sendo pecador. Quando se lê aquele famoso texto da primeira carta de São Pedro: “A exemplo da santidade daquele que vos chamou, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito: Sede santos, porque eu sou santo (Lv 11,44).” (1Pd 1,15-16), compreende-se que Deus, que é o Santo, serve de exemplo para sermos santos. Ser santo a exemplo de Deus? Como é isso? Talvez o ponto importante aqui seja o perceber que Deus é o que é, e, por isso, devemos ser quem somos e permitir que Deus nos santifique fazendo cumprir essa Palavra em nós.

São Lourenço era bem humorado, corajoso e permaneceu fiel a Deus até o fim. O que aprendemos com isso? Que esse diácono foi autêntico em sua experiência com Deus. Entregou-se em oferta a Deus, seu íntimo amigo. Com certeza tinha seus pecados e fraquezas, mas não foram impedimentos para que seu sim a Deus fosse grande sinal para a conversão de muitos. Além de ter vivido bem a vocação específica que Deus o chamou, o Diaconato. Para ter essa “sacada” de mostrar os tesouros da Igreja nos pequeninos, era necessário conhecimento tanto da Palavra, quanto no cuidado para com os que sofrem. Foi feliz por ser ele mesmo, feliz porque tinha bom humor, feliz pela vocação, feliz por ser todo de Jesus.

Peço por cada um a graça da intercessão de São Lourenço, a fim de que todos sejamos santos. Peço que rezem por mim também, pois estou no caminho do sacerdócio e passarei também pelo Diaconado, e para isso, necessito do exemplo e intercessão deste santo. É o chamado universal de Deus que sejamos santos! É o caminho! É a nossa vocação fundamental! E, para melhorar, estamos em tempo de preparação para o Jubileu de Ouro da RCC e em Ano Santo da Misericórdia! É muita graça e muita oportunidade de se dedicar mais na busca das coisas do alto, abandonando os pecados e os vícios; como nos diz, no livro tema da RCC para 2016, Dom José Aparecido: “A santidade é acessível a todos, mais ainda, todos são chamados à santidade. Nesse tempo de preparação para o Jubileu da RCC, precedido providencialmente pelo Ano Santo da Misericórdia em toda a Igreja, todos, mas especialmente os que Deus chamou na RCC, temos a grave responsabilidade de nos deixar de novo seduzir por Cristo, de invocar o fogo de amor de Deus – Ele veio trazer o fogo à terra – para queimar em nós os vícios que atrapalham a obra de santificação.” (Dom José Aparecido, Bispo Auxiliar de Brasília, no livro tema da RCC para 2016).

Se somos vocacionados à vida sacerdotal, religiosa, consagrada, familiar, sabemos que necessitamos do Espírito Santo para que em nossa vocação específica alcancemos o primeiro e mais importante chamado: Sede santos! Então, clamemos ao Espírito Santo, que nos purifique e nos revele quem somos. Somos o quê? Filhos amados de Deus, e é o Espírito Santo que nos move à essa compreensão como nos mostra a Palavra: “A prova de que sois filhos é que Deus enviou aos vossos corações o Espírito de seu Filho, que clama: Aba, Pai!” (Gl 4,6). Que o Santo Espírito de Deus nos convença com seu amor e nos torne santos, a partir de quem somos, de como somos e da realidade que vivemos, a fim de que sejamos instrumentos do mesmo Espírito para a santificação dos nossos irmãos. Oremos, pedindo a intercessão de São Lourenço, para que tenhamos o coração capaz de amar e servir ao Senhor na força do Espírito, com a oração da Igreja na Liturgia das Horas:

Ó Deus, o vosso diácono Lourenço, inflamado de amor por vós, brilhou pela fidelidade no vosso serviço e pela glória do martírio; concedei-nos amar o que ele amou e praticar o que ensinou. Por nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, na unidade do Espírito Santo. Amém.

 

Thaisson da Silva Santarém

Seminarista da Arquidiocese de Brasília

Coordenador Nacional do Ministério para Seminaristas – RCCBRASIL

 

Fontes:

Livros: Um santo para cada dia – Mario Sgarbossa, Luigi Giovannini. São Paulo. Ed. Paulinas, 1983.

Sede misericordiosos como vosso Pai é misericordioso. Canas: Editora RCCBRASIL, 2016.

Sites: https://pt.wikipedia.org/wiki/Lourenço_de_Huesca

http://santossanctorum.blogspot.com.br/2011/08/sao-lourenco-10-de-agosto-diacono-e.html