“Unidos pela Palavra, reconstruire-mos as muralhas!”

Por: Reinaldo B. Reis

                                                                         “Quando, pois, tocar a trombeta, de qualquer canto  
                                                                     em que vós a escuteis, reuni-vos a nós. Nosso Deus
                                                                                                           combaterá por nós.” (Nee 4,14).

Do ponto de vista da Sagrada Escritura, profeta é aquele que, em primeiro lugar, “vê” – tem uma visão espiritual; recebe de Deus uma revelação; tem uma percepção do rumo para onde Deus está movendo as coisas; e depois, fala! Primeiro ele se coloca à escuta do Espírito, e se deixa conduzir por Ele ao mundo das realidades espirituais, para aí “entrar em sintonia” e vibrar com os propósitos e sentimentos que Deus tem para determinada porção de seu povo, para aquele momento de sua história, de sua caminhada. Cabe ao profeta – aqui entendido na linha do que preconizava Joel (3, 1-2), e referenciado por Pedro no dia de Pentecostes (At 2, 14-18) – assim inspirado, trazer para a realidade das coisas temporais esses sentimentos de Deus, que quer especialmente exortar, consolar e edificar o seu povo (cf. I Cor 14, 1-3).

Colocar-se à escuta do Espírito é uma graça profética da qual a Renovação Carismática tem-se servido para ser educada na fidelidade aos projetos que Deus tem no Seu coração para que ela viva seu carisma de modo eficaz e útil a toda a Igreja. E o Conselho Nacional (instância legítima de discernimento da RCC), atento à graça profética de nossa identidade, tem procurado colocar-se à escuta do Espírito e discernir o que é que o Senhor está nos falando, e para onde Ele nos quer conduzir, dentro do seu plano para a RCC de hoje, crescendo no entendimento da visão espiritual que nos revele e confirme a vontade e os propósitos de Deus para as nossas vidas, para o nosso apostolado… Planejar, atuar, construir, anunciar, sem escutar o Espírito, é pautar em ações carentes de unção, em mero ativismo religioso, que pode ser vistoso e barulhento, mas que certamente logo se mostrará estéril do ponto de vista das intenções de Deus. Para que a labuta dos construtores não seja vã, é preciso que o Senhor construa a casa, edifique a obra (cf. Sl 127, 1a).  E a obra de Deus não pode ser feita sem o poder de Deus, que nos é dado – conforme a promessa – no dom do Espírito! (cf. At 1, 4-8)…

Reunido em Fortaleza, de 08 a 12 de outubro de 2009, o Conselho Nacional da RCCBRASIL colocou-se, para o discernimento a respeito das atividades do ano de 2010, em atitude de abertura e obediente escuta ao Espírito Santo. Desde a oração da manhã do primeiro dia, foi calando forte no coração dos Conselheiros que o amor à Palavra de Deus – uma das consequências imediatas da experiência do batismo no Espírito Santo – deveria ser enfatizada em todas as instâncias e atividades da RCC, no ano de 2010.

Entre outras moções relativas à Palavra, uma delas (e que foi interpretada como própria para o tema geral do ENCONTRO NACIONAL DE FORMAÇÃO, em Lorena, no mês de janeiro de 2010) nos foi dada a partir do Livro de Neemias. Especialmente – mas não exclusivamente – naquilo que nos é narrado nos quatro primeiros capítulos. Por todos os demais momentos da reunião do Conselho Deus foi ampliando o nosso entendimento acerca da aplicação daquelas palavras à vida prática da Renovação Carismática para esses tempos que nos são dados a viver no “aqui e agora” de nossa história; que passa – seguramente – neste exato momento, por uma significativa “viragem” (cf. João Paulo II. Redemptoris Missio, n. 30)… E, por certo, muito ainda vai Ele nos revelar e direcionar…

RECONSTRUÇÃO DOS MUROS E RESTAURAÇÃO DO POVO – Neemias, copeiro do rei Artaxerxes (enteado de Ester), da Pérsia, obtém dele – depois de orar e renovar sua fidelidade à aliança com Deus – permissão para voltar a Jerusalém e trabalhar pelo livramento do abatimento em que se encontra o seu povo. Convoca e desafia os seus compatriotas a se levantarem e a reconstruírem os muros caídos de Jerusalém. Neemias é um leigo dedicado, de coração reto, que tem a visão e as prioridades ordenadas e preocupadas em promover a obra de Deus. Sua vida é caracterizada pela oração e pela dependência de Deus – a quem procura dar sempre todo o crédito e glória –, alguém capaz de liderar, encorajar e repreender no momento certo. Em tudo usa a fórmula oração e ação!
Perguntávamos nós, na reunião: “O Senhor nos tem motivado e desafiado a construirmos a Nossa Casa, a nossa Sede Nacional, e tem mesmo até confirmado isso com sinais bastante concretos, ultimamente (o terreno que nos foi ofertado na cidade de Canas, no Vale do Paraíba, por exemplo). Onde se encaixa essa moção de reconstrução, então?”

Avançando na leitura de Neemias, fomos percebendo que, juntamente com a reconstrução das muralhas, Neemias – apoiado fortemente pelo ministério do sacerdote Esdras – também promoveria aquilo do que a reconstrução do muro era apenas um sinal, uma prefiguração: a restauração espiritual do povo!

Jerusalém, centro espiritual e político de Judá, mal podia se considerar uma cidade, sem muros. Enquanto Neemias se ocupa da reconstrução física, política e geográfica de Judá, Esdras lida com sua restauração espiritual. Trabalham juntos para recobrar o ânimo do povo, edificando-o moral e religiosamente, a fim de que a restauração fosse completa. Reconstrução das muralhas, e restauração moral… da dignidade… da identidade… Mais que um Estado Judeu, que aí consolida sua identidade e se firma como Nação, nasce – exatamente aí – aquilo que viria se tornar a Comunidade Religiosa Israelita que conhecemos pelas Sagradas Escrituras…

 Em paralelo ao trabalho de nos “reconstruir”, de restaurar a nossa identidade, o Senhor quer consolidar a nossa unidade. O Senhor nos quer unidos: espiritualmente, em torno de Sua Palavra; e, operacionalmente, em torno da obra da construção de nossa Sede… Quando os filhos se congregam e se unem, o Senhor edifica: (cf. Sl 126/127).

A empreitada visando a construção de nossa Casa, de nossa Sede, vai se constituir, de fato, num motivo do qual Deus quer se servir para nos congregar em torno de Sua Palavra, e solidificar a nossa comunhão… Deus quer reconstruir a nossa identidade – como filhos vocacionados à graça da vida no Espírito, individualmente –, mas também restaurar e levar a uma mais consistente maturidade a identidade do nosso Movimento Eclesial…

“LEVANTEMO-NOS, PONHAMOS MÃOS À OBRA”  – Desde que se organizou para proteger o seu carisma e preservar a sua identidade, a RCC – especialmente em nível nacional – tem mantido o seu Escritório ativo e disponível. Mas sempre de modo um tanto quanto itinerante, nômade, “na casa dos outros”… Mãe, “árvore-tronco” de tantos outros frutos, sente ela hoje – enquanto Movimento Eclesial vocacionado a promover a comunhão e a unidade entre todas as expressões que dela brotaram –, a necessidade de ser contemplada com sua sede própria, com seu espaço onde uma equipe administrativa estável cuide de seus trâmites, um centro de capacitação para lideranças que irradie pelo Brasil a Cultura de Pentecostes, um local de custódia e pesquisas do seu patrimônio histórico, e – por que não? – um “Santuário Elena Guerra” que promova a espiritualidade de Pentecostes através do apostolado da efusão do Espírito Santo, num jeito bem católico de ser. Um espaço, enfim, que não se limite simplesmente a um “Centro de Formação – como pensávamos no início –, mas que se constitua num verdadeiro Centro de Referência, que dê visibilidade e ajude o Movimento a reafirmar progressivamente sua identidade, seu carisma, seu papel na Igreja e no mundo do terceiro milênio…

A RCC gerou muitos filhos… Muitos deles construíram – com a nossa ajuda –, as suas casas… É hora dos filhos da RCC ajudarem a construir a CASA DA MÃE… A Mãe não quer entrar em concorrência com seus filhos… Quer apenas ter uma casa onde os filhos possam, de vez em quando, vir matar a saudades da mãe… A mãe quer apenas continuar fértil, e em condições de gerar outros tantos filhos, outros tantos frutos…

RESTAURA-NOS, SENHOR! – Esgota-se nessa obra o que Deus quer para a RCC?  Obviamente que não!… De fato, como aquela obra junto à muralha de Jerusalém, esta se apresenta para nós como elemento oportuno de arregimentação das forças vivas da Renovação para, “reunidos pela Palavra” (parafraseando a Neemias, com sua trombeta), permitir que Ele restaure em nós, povo marcado pela experiência de Pentecostes, todas as brechas das nossas muralhas, que tem enfraquecido o senso de nossa identidade, espalham o desânimo em nossos corações, relativizam nosso protagonismo na vivência do carisma que nos é próprio, emperram nossos passos e enlanguescem nossa coragem na combatividade profética, na militância apostólica, na valentia missionária… Que brechas nós poderíamos identificar, hoje, na muralha da identidade da Renovação Carismática? Que falhas, em nosso edifício estariam despersonalizando aquilo com que Deus gostaria de nos identificar? Estamos… dispersos?  Fragmentados? Divididos em diversas “tendências”, “partidos” em distintas “renovações”…?. Temos priorizado o que é secundário, acidental, em detrimento da essência? Priorizado a forma, o “formato”, a estrutura, no lugar do conteúdo? Temos dado mais atenção aos métodos, às técnicas, aos programas, do que aos objetivos?… Nos preocupando mais com a quantidade do que com a qualidade?. Com a extensão, do que com a profundidade?.  E… que brechas há em minha vida pessoal… em minha própria identidade?… Tenho correspondido à vocação privilegiada com que Deus me contemplou nessa graça de Pentecostes?… Percebem-se em minha vida os sinais que identificam o Batismo no Espírito Santo?… Uma nova, visível valorização da Palavra de Deus? Vida pessoal de oração com qualidade? Uma apreciação renovada pelos sacramentos? Nova disposição em viver a vida fraterna, servindo com alegria àqueles com os quais convivo? Tenho promovido a comunhão? Tenho colocado o meu carisma a serviço dos irmãos, ainda que com lutas, com trabalhos, com sacrifício? Amor sincero à Igreja? Tenho me comprometido com os projetos, com os direcionamentos que o Senhor inspira à Renovação Carismática? Ou apenas fico “assistindo” ao desenrolar das coisas, pra ver no que vai dar? Critico com responsabilidade, visando a edificação, ou apenas para “marcar presença”, de modo imaturo e descomprometido?… Tenho, verdadeiramente, sede de santidade?… Unidos,“nosso Deus combaterá por nós!, “cf. Nee 4, 14. E assim como a reconstrução das muralhas de Jerusalém em tempo inesperado arrefeceu o ânimo dos que eram contra porque “reconheceram que fora por intervenção de nosso Deus que se concretizou essa obra” (cf. Nee 6, 16), permitamos também nós, a partir de agora, que o Senhor mesmo restaure os nossos sonhos, o nosso amor à salvação, a nossa visão, livrando-nos de toda miopia espiritual… Que o Senhor retire do nosso horizonte o medo do novo, que paralisa nossa ação e entrava nossos projetos… Que Ele restaure em cada um dos que se empenharem nessa obra o amor à Palavra, à prática da oração pessoal, à vida fraterna e celebrativa, preenchendo as brechas da desunião que nos separam uns dos outros, que nos tornam presas fáceis aos ataques dos inimigos do Reino… Que Ele mantenha sempre os nossos pés no chão, mas não nos prive de tocar os céus com nossos sonhos e visões, com nossa audácia e nossa esperança, com nossa fragilidade, mas com a força do Seu Espírito… Que o Senhor dos Exércitos revigore nossa disposição de lutar contra o pecado, restabeleça nossa vocação à santidade, nossa cidadania de filhos e filhas resgatados da morte ao preço do sangue do Cordeiro… Que Ele repare a brecha da crítica ácida, gratuita, infundada e preconceituosa, do profetismo pessimista… Que, pela restauração de nossas brechas – pessoais e comunitárias –, nosso “templo” seja (re)construído, nossa nação soerguida, a aliança com o Senhor renovada, o povo restaurado no seu ânimo de servir a Deus, e – ensinados a buscar uma contínua repleção do Espírito, cf. Ef  5, 18b –, um grande avivamento espiritual tenha lugar em nossa pátria, para que o mundo possa ver, em nossa identidade solidificada, rosto, memória e sinal de Pentecostes – sinal verde para a instauração da tão sonhada civilização do amor…

A tela de arame – Permito-me reproduzir aqui um pequeno poema de Michel Quoist, sacerdote francês que tanto sucesso fez entre a juventude de “meu tempo”, com seus “Poemas para Rezar”. Diz ele:
                     

                  Em volta dos homens os arames dão-se as mãos,
                  Para não romper a roda apertam com muita força
                  O punho do companheiro:
                  E assim é que, com buracos, conseguem fazer uma cerca.

                  Senhor, na minha vida há uma porção de buracos, 
                  Há vazios também na vida de meus vizinhos.
                  Mas,  se quiseres, vamos dar-nos as mãos, 
                  Apertar bem com força,
                  E vamos fazer juntos um belo rolo de tela 
                  Para arrumar o Paraíso…